O Antoniano

Santa Fé Católica, Santo Antônio de Lisboa, sã filosofia et alia

O sermão pregado não segue o texto abaixo ao pé da letra.

Sermão para o II Domingo da Quaresma
Pe. Marcos Vinícius Mattke, IBP
Capela Nossa Senhora das Dores
Brasília/DF, 16 de março de 2025 A.D.

Caríssimos fiéis,

Neste Segundo Domingo da Santa Quaresma, nossa Santa Romana Igreja, Mãe e Mestra da Verdade, propõe-nos a contemplação do mistério da Transfiguração de Nosso Senhor Jesus Cristo. Não é sem profunda razão que, em meio ao rigor penitencial deste tempo quaresmal, somos convidados a elevar nossos olhos às alturas do Monte Tabor, onde Cristo, por breves momentos, desvelou o esplendor de Sua divindade aos olhos de três de Seus discípulos mais íntimos.

“Este é o meu Filho amado, em quem ponho toda a minha complacência: escutai-O.” Consideremos, caríssimos, que estas palavras do Pai Eterno não são palavras vazias, não são mera recomendação, mas um mandato divino, um imperativo que nos obriga sob pena de ofensa gravíssima à Majestade Divina. “Escutai-O” — eis a ordem que nos é dada pelo próprio Deus Pai.

E o que significa, verdadeiramente, escutar a Cristo? Porventura, meus caros, trata-se de uma escuta parcial, seletiva, conforme as inclinações de cada um? De uma interpretação subjetiva, moldada segundo o espírito dos tempos? Significa  ver na fé somente uma inspiração de estilo de vida? Significa fazer concessões e adaptações para atrair o mundo? De modo algum. Escutar a Cristo significa acolher, com docilidade e integralmente, todos os Seus ensinamentos, sem exceção, sem reservas, sem acomodações. O bem deve ser íntegro, nos diz a sã filosofia tomista, bonum ex integra causa. Significa reconhecer que a Verdade que Ele nos transmitiu não está sujeita às vicissitudes da história, não pode ser “atualizada” ou “adaptada” segundo os caprichos da modernidade. “O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não passarão”, disse-nos o próprio Senhor.

São Beda, o Venerável, nos recorda precisamente: “Assim como estamos atentos à voz que veio do céu, devemos estar igualmente atentos à doutrina deixada para nós nos escritos apostólicos.” Percebam, meus caros conspícuos, a íntima conexão estabelecida por este santo Doutor: a mesma atenção, a mesma reverência, a mesma obediência que prestamos à voz do Pai no Monte Tabor, devemos prestar à doutrina apostólica, que não é senão o desdobramento, a explicitação do ensinamento de Cristo.

Mas, é claro, podem bem os senhores me questionar, mas, padre, onde encontramos hoje esta doutrina apostólica em toda a sua pureza? Como podemos estar certos de escutar a voz autêntica de Cristo em meio a tantas vozes discordantes que se arrogam o direito de falar em Seu nome? A resposta, caríssimos, encontra-se no Magistério infalível da Santa Igreja Católica Apostólica Romana, a única instituída por Cristo como guardiã e intérprete autorizada da Revelação divina.

O Magistério da Igreja não é uma voz humana entre outras, mas a expressão visível, audível, da própria voz de Cristo através dos séculos. Quando o Romano Pontífice, ex cathedra, em união com os Bispos em comunhão com ele, define de forma definitiva uma verdade relativa à fé ou à moral, ensinando a todos os fiéis, não é um homem que fala, mas Cristo que continua a instruir Seu rebanho. “Quem a vós ouve, a Mim ouve”, disse o Senhor aos Seus Apóstolos, e neles, aos seus legítimos sucessores.

São Bernardo de Claraval, em sua luta contra as heresias de seu tempo, afirmou com firmeza: “Não há segurança na fé a não ser aquela que está ancorada na infalibilidade da Igreja.” Quão atual, caríssimos fiéis, é esta advertência! Em um tempo em que muitos, mesmo entre os que se dizem católicos, mesmo dentro da hierarquia, questionam os ensinamentos perenes da Igreja em matéria de fé e moral e se lançam a criação de uma nova fé, a âncora segura da infalibilidade do Magistério é nossa única garantia de não sermos arrastados pelas ondas turbulentas do relativismo e da apostasia.

Este mesmo São Bernardo combateu incansavelmente as novidades doutrinárias de seu tempo, assim como o fizeram todos os santos em todas as épocas. Pois uma das marcas distintivas da verdadeira santidade é precisamente a adesão inquebrantável à doutrina tradicional da Igreja.

São Vicente de Lérins, no seu célebre Commonitorium, estabeleceu o critério infalível para discernirmos a verdadeira doutrina católica: “Na própria Igreja Católica, devemos ter muito cuidado para mantermos aquilo que foi acreditado em todos os lugares, sempre e por todos, quod semper, quod ubique, quod ab omnibus.” Eis aqui, caríssimos, a regra para distinguirmos o trigo do joio, a doutrina verdadeira e isenta de novidades perniciosas: a universalidade, a antiguidade, o consenso. Aquilo que foi ensinado universalmente, desde os primórdios da Igreja, com o consenso dos Santos Padres e Doutores, isso, e somente isso, é a genuína doutrina católica.

É por isso que Santo Agostinho, em sua luta contra os hereges de seu tempo, insistia: “O verdadeiro cristão deve preferir o ensinamento divino a qualquer invenção humana.” Notemos bem, caríssimos fiéis: “invenção humana” — eis o que são, em última análise, todas as novidades doutrinárias, todos os desvios da tradição apostólica, todas as tentativas de “reinterpretar” o depósito da fé à luz do espírito do mundo, formando o anti-magistério do demônio, príncipe do mundo.

Na Epístola que acabamos de escutar, São Paulo dirige-se aos Tessalonicenses com palavras que parecem escritas para nossos tempos: “Esta é a vontade de Deus: a vossa santificação.” E em que consiste esta santificação? O Apóstolo das Gentes é claro: na pureza de vida, na castidade, na abstenção de toda impureza. Mas não só isto: a santificação implica também, e fundamentalmente, a obediência à Tradição apostólica ininterrupta.

Na mesma carta aos Tessalonicenses, um pouco adiante, o Apóstolo exorta: “Permanecei firmes e conservai as tradições que aprendestes, seja por palavra, seja por carta nossa” (II Tes. II, 15). E aos Coríntios escreve: “Eu vos louvo, irmãos, porque em tudo vos lembrais de mim e guardais as tradições como vo-las transmiti” (I Cor. XI, 2).

Eis, meus caros conspícuos, o caminho da santidade: a adesão integral, plena, incondicional à Tradição apostólica, tal como foi transmitida, de geração em geração, pelo Magistério Infalível da Igreja. Não há santidade possível fora desta adesão, pois seria pretender amar a Cristo enquanto se rejeita seu ensinamento, transmitido fielmente por Sua Esposa Imaculada, nossa Santa Madre Igreja. Seria querer estar no Tabor ser ouvir a Cristo como impera Deus Pai.

Mas, para escutar verdadeiramente a voz de Cristo em meio ao clamor ensurdecedor do mundo, é necessária o espírito de penitência e mortificação. Ainda na Epístola aos Tessalonicenses, São Paulo insiste na necessidade de “possuir o próprio vaso” — isto é, o próprio corpo — “em santidade e honra, não segundo as paixões da concupiscência, como os gentios que não conhecem a Deus”. A mortificação quaresmal — o jejum, a abstinência, a renúncia aos prazeres lícitos — não é um fim em si mesma, mas um meio indispensável para aguçar nosso olhar sobrenatural. Sem esta mortificação, nossos sentidos, embotados pelos prazeres mundanos, tornam-se incapazes de ouvir a voz de Cristo que nos fala através de sua Igreja.

É significativo, caríssimos fiéis, que o episódio da Transfiguração tenha ocorrido após o Senhor ter anunciado Sua Paixão e ter dito: “Se alguém quer vir após Mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-Me.” Não há glória sem cruz, não há Tabor sem Calvário, não há transfiguração espiritual sem mortificação dos sentidos.

No Sermão da Montanha, Nosso Senhor proclamou: “Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus.” E, da mesma forma, podemos dizer: “Bem-aventurados os puros de coração, porque ouvirão a voz de Deus.” Pois existe uma relação íntima entre a pureza do coração e a capacidade de escutar genuinamente a voz de Cristo. O coração impuro, manchado pelo pecado, sobretudo pelos pecados contra a pureza, torna-se progressivamente insensível à voz divina. Donde, meus caros, a importância capital da confissão frequente, da comunhão  digna, da vigilância sobre os sentidos, do combate sem tréguas contra as tentações da carne, da fuga das ocasiões de pecado.

Se quisermos escutar a Cristo, como nos ordena o Pai celestial, devemos primeiro purificar nosso coração de tudo o que é mundano, carnal, impuro. “Criai em mim um coração puro, ó Deus” (Salmo L), deve ser nossa oração constante, especialmente neste tempo quaresmal.

Mas a pureza de coração, sendo condição necessária, não é suficiente para escutarmos autenticamente a voz de Cristo. É preciso também, caríssimos fiéis, uma sólida formação doutrinária, um conhecimento profundo das verdades da fé, tal como foram ensinadas sempre e em toda parte pela Santa Igreja.

Numa época de confusão doutrinal como a nossa, em que abundam os falsos profetas e os falsos mestres, mesmo dentro da Igreja, é mais necessário do que nunca conhecermos a fundo a doutrina católica. “O meu povo perece por falta de conhecimento”, lamenta o Senhor pela boca do profeta Oséias. E quantos católicos hoje, por ignorância das verdades fundamentais da fé, deixam-se seduzir por doutrinas estranhas, incompatíveis com o ensinamento de sempre da Igreja.

É por isso que devemos nos dedicar com afinco ao estudo do Catecismo, das obras dos Santos Padres e Doutores, dos documentos do Magistério infalível, sobretudo que refutam e condenam os erros modernos. Assim estaremos munidos do discernimento necessário para distinguir entre o verdadeiro Magistério e as falsas interpretações que hoje proliferam.

Nesta empresa de fidelidade à Tradição, não estamos sós. Temos diante de nós o exemplo luminoso de inúmeros santos que, em tempos de confusão doutrinal semelhantes ao nosso, mantiveram-se inabaláveis na defesa da ortodoxia católica.

Temos Santo Atanásio, que, quase sozinho contra o mundo, defendeu a divindade de Cristo contra a heresia ariana, a ponto de cunhar-se o adágio: “Atanásio contra o mundo, e o mundo contra Atanásio”. Este grande Santo e Doutor nos deixou a advertência: “Os verdadeiros fiéis preservam o ensinamento dos Padres; os que se desviam deste caminho mostram-se hábeis arquitetos da ruína.” Eis que, com efeito, vemos os “hábeis arquitetos da ruína” em ação, demolindo, pedra por pedra, o edifício da fé católica, sob o pretexto de “adaptá-lo” às exigências do mundo e de seu príncipe.

São Jerônimo, também não temeu enfrentar os hereges de seu tempo: “Ignoro Vigílio, rejeito Pelágio, abomino Nestório: todos os demais, que a Igreja rejeita, eu também rejeito.” Eis aqui, caríssimos fiéis, a atitude do verdadeiro católico diante do erro doutrinal: rejeição total, sem concessões, sem comprometimentos, sem diálogo. Pois não se dialoga com o erro, não se contemporiza com a heresia, não se faz concessões à falsidade.

No Monte Tabor, Nosso Senhor, por breves instantes, revelou a glória de Sua divindade, habitualmente velada sob o manto da humanidade. Da mesma forma, caríssimos fiéis, a fidelidade à doutrina tradicional da Igreja produz em nós uma verdadeira transfiguração espiritual, fazendo resplandecer em nossas almas a imagem de Cristo, obscurecida pelo pecado.

Pelo contrário, a acomodação ao espírito do mundo, a aceitação das doutrinas modernas incompatíveis com a fé católica, causa em nós uma deformação espiritual, uma desfiguração da imagem divina impressa em nossas almas pelo Batismo. O católico que se deixa seduzir pelas novidades doutrinárias torna-se, gradualmente, irreconhecível como filho da Igreja; sua fisionomia espiritual deforma-se até assumir os traços do mundo, da carne, do demônio.

É por isso que São Paulo adverte-nos: “Não vos conformeis com este século, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a vontade de Deus, boa, agradável e perfeita” (Rom. XII, 2). Notem bem, caríssimos: a verdadeira transformação, a autêntica transfiguração espiritual, vem não da conformação ao espírito do século, mas da renovação da mente segundo a vontade divina.

Existe uma conexão profunda, inextricável, entre o Rito Romano Tradicional e a transmissão fiel do depósito da fé. A liturgia não é mera expressão externa, mutável, adaptável, da fé, mas sua manifestação mais perfeita, seu veículo privilegiado de transmissão. Por isso mesmo a defesa do Rito Romano Tradicional não é uma questão de mera preferência estética, disciplinar, carismática, nostálgica, mas consequência da própria defesa e profissão da fé católica. Afinal este Rito Sagrado, canonizado com expressão fiel da fé católica, é um baluarte contra as heresias, uma defesa inexpugnável da doutrina católica contra os assaltos do erro. Cada gesto, cada palavra, cada rubrica está impregnada de doutrina católica, expressa a fé da Igreja de modo inequívoco, sem ambiguidades, sem concessões ao espírito do mundo.

No Monte Tabor, Nosso Senhor escolheu apenas três dentre os doze Apóstolos para testemunharem Sua glória: Pedro, Tiago e João. Por quê? Os Santos Padres veem nesta escolha um profundo significado místico. São Pedro, o primeiro Papa, representa o Magistério da Igreja; São Tiago, o primeiro Apóstolo martirizado, representa o testemunho da santidade; São João, o discípulo virginal, representa a pureza da doutrina.

Juntos, estes três Apóstolos prefiguram o próprio testemunho da Igreja ao preservar e transmitir fielmente os ensinamentos de Cristo: o Magistério infalível, a santidade de vida, a pureza doutrinal. Estes três elementos são inseparáveis, formam uma unidade orgânica, e a ausência de qualquer um deles compromete a integridade do testemunho eclesial. Bonum ex integra causa, malum ex quocumque defectu.

Eis que o mundo ataca justamente esses elementos nos membros da Igreja. Não se quer mais ensinar a verdade com clareza e firmeza, mas agradar o mundo; a santidade de vida é substituída por um mero ativismo social; a pureza doutrinal é sacrificada no altar do diálogo com o mundo.

Cabe, assim a nós, seguirmos o exemplo de São Pedro, São Tiago e São João, testemunhando, em meio às trevas desta sociedade apóstata, a glória perene de Cristo e de Sua doutrina imutável. Escutemos a Cristo não segundo nossas preferências ou conveniências, não segundo o espírito do mundo ou as modas do momento, mas segundo o magistério infalível da Santa Igreja. Como os três Apóstolos no Monte Tabor, sejamos testemunhas fiéis da glória de Cristo, manifestada não apenas em sua pessoa divina, mas também em sua doutrina imutável, em sua moral excelsa, em sua liturgia sagrada. E como eles, desçamos do monte ao vale, para anunciar ao mundo, com intrepidez apostólica, a verdade integral da fé católica sem concessões.

Intensifiquemos nossa vida de oração, mortificação e estudo da doutrina católica, para que, purificados pela penitência e iluminados pela graça, possamos verdadeiramente escutar a voz de Cristo que nos fala através de sua Santa Igreja e de sua Tradição. E quando, finalmente, chegarmos à Páscoa da Ressurreição, que possamos contemplar, com os olhos renovados pela fé, aquele que, na Transfiguração, revelou por um instante a glória que é sua desde toda a eternidade e que será nossa por toda a eternidade, se permanecermos fiéis à sua doutrina e aos seus mandamentos.


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