O Antoniano

Santa Fé Católica, Santo Antônio de Lisboa, sã filosofia et alia

O sermão pregado não segue o texto abaixo ao pé da letra.

Sermão para o Quarta-feira de Cinzas
Pe. Marcos Vinícius Mattke, IBP
Capela Nossa Senhora das Dores
Brasília/DF, 05 de março de 2025 A.D.

“Memento, homo, quia pulvis es, et in pulverem reverteris.”
(Lembra-te, homem, que és pó e ao pó voltarás.)

Caríssimos fiéis,

Nossa Santa Romana Igreja dá início hoje com a imposição das santas cinzas ao tempo sagrado da Quaresma. Este rito antiquíssimo, que remonta aos primeiros séculos da Igreja, não é mera cerimônia exterior, mas um símbolo pungente da nossa condição mortal. Como nos ensina Santo Agostinho: “Das cinzas viemos e às cinzas retornaremos; entre um momento e outro, somos pó que caminha sobre a terra, pó animado pelo sopro divino, mas destinado a retornar à terra da qual foi tomado.” Esta verdade, longe de nos esmagar com sua dureza, deve iluminar nossa consciência sobre a brevidade da vida e a seriedade com que devemos considerar nossa salvação eterna.

Hoje, caríssimos fiéis, recebemos nas nossas frontes o sinal da nossa condição mortal, não para que nos desesperemos, mas para que despertemos. São Gregório Magno nos adverte: “A consciência da morte deve ser, para o cristão, não motivo de temor, mas acicate para a virtude. Quantos vivem como se jamais houvessem de morrer, acumulando tesouros terrestres, saciando-se nos prazeres carnais, como se a eternidade não os aguardasse! Que néscios são aqueles que, tendo sido criados para a eternidade, vivem apenas para o efêmero!”

Nossa Santa Madre Igreja, caríssimos fiéis, em sua sabedoria maternal, nos oferece estes quarenta dias de penitência como um remédio para nossas almas enfermas. Por isso mesmo São Leão Magno nos exorta: “O que em todo tempo convém ao cristão praticar, agora deve ser realizado com maior solicitude e devoção, a fim de que, pelos quarenta dias de jejum, se cumpra a regra apostólica. Não se trata de uma mera abstinência de alimentos, mas de um afastamento de todos os vícios, de todos os desejos carnais que fazem guerra à alma.”

Consideremos, meus caros conspícuos, com olhar verdadeiramente sobrenatural, o estado moral de nossa sociedade contemporânea. Os dias de carnaval que acabamos de presenciar não são, como muitos querem fazer crer, uma simples manifestação cultural ou um período de alegria e descontração inocentes. Não! São, antes, uma demonstração pública e escandalosa de tudo aquilo que a Santa Igreja, desde os seus primórdios, condena como contrário à lei natural e divina. São Bernardo de Claraval, em seu tratado sobre a conversão, lamenta profundamente ver já em seu tempo não apenas faltas isoladas, mas uma sistemática e organizada rejeição da lei divina, quando o pecado já não se esconde envergonhado, mas se glorifica com insolência.

Nas ruas, nas praças, nos meios de comunicação, testemunhamos não apenas a abominação moral – a impudicícia, a luxúria desenfreada, a sensualidade que corrompe até mesmo as crianças – mas um espírito declaradamente anticristão e, ouso dizer sem temor de exagero, genuinamente demoníaco. Quem pode negar, caríssimos fiéis, que muitas das manifestações carnavalescas constituem verdadeiras paródias blasfemas dos ritos sagrados, zombarias explícitas da fé cristã, glorificações de símbolos satânicos? Não é isto que vemos em tantos “blocos” e “escolas” que desfilam abertamente, com financiamento das próprias autoridades que não perdem a chance de flagelar, insultar e crucificar Cristo novamente. E o que nos exaspera é quantos católicos hoje compactuam com essas abominações, seja participando abertamente desses cultos demoníacos, seja tentando maquiar o demônio, tentando fazer um carnaval inocente, uma festa dita cristã, mas fazendo o serviço do inimigo da cruz ao acostumar as pessoas e crianças à própria noção de intemperança e ao tempo de loucuras.

São João Crisóstomo justamente nos alertar com veemência: “Não é tanto o pecado que ofende a Deus, mas a obstinação em permanecer nele. Não é a queda que mais entristece o coração divino, mas a recusa em levantar-se.” E é precisamente esta obstinação que caracteriza nossos tempos – uma cultura que não apenas cai em pecado, mas que recusa orgulhosamente reconhecer o próprio conceito de pecado, chegando ao cúmulo de celebrá-lo como demoníaca expressão de suposta liberdade e autodeterminação, máscara da revolta luciferina contra o bem, a verdade e Deus.

Diante da apostasia das nações que hoje legislam contra a lei natural e divina , com profunda dor o digo, até mesmo do abandono da fé por membros da hierarquia eclesiástica que deveriam ser as sentinelas vigilantes da ortodoxia, somos chamados, caríssimos fiéis, a uma penitência mais fervorosa, a uma conversão mais firme, a um testemunho mais corajoso.

São Gregório Magno ensina: “A verdadeira penitência consiste não apenas em chorar os pecados passados, mas em evitar com resolução cometer novamente aquilo que se chorou. De que serve confessar as faltas, se logo voltamos a elas como o cão que retorna ao próprio vômito? A penitência sincera exige propósito firme de emenda e obras que corroborem este propósito.” Quão atual é este ensinamento, caríssimos fiéis, num tempo quase ninguém se confessa e em que tantos, por falta de disposição ao sacrifício, acabam por reduzir o sacramento a uma mera formalidade psicológica, esvaziada de seu caráter sobrenatural e da necessária contrição e disposição a evitar as ocasiões de pecado.

Mas a penitência a que somos chamados neste tempo quaresmal não é um fim em si mesma. Não jejuamos para exibir nossa força de vontade; não nos mortificamos para conquistar aplausos humanos. A penitência cristã deve nascer do amor ardente a Deus e deve conduzir a um amor ainda mais ardente. E aqui encontramos uma verdade fundamental, frequentemente esquecida mesmo por almas piedosas: a penitência pressupõe o amor, e o amor pressupõe o conhecimento daquele que se ama.

Por isso, exorto-vos veementemente, meus caros, a conhecer mais profundamente nossa fé católica nesta Quaresma. Dediquem-se ao estudo assíduo da doutrina sagrada, do catecismo, dos escritos dos Santos Padres e Doutores. Santo Agostinho, em seu tratado sobre a Trindade, nos ensina com clareza: “Non potest diligi quod prorsus ignoratur” – “Não se pode amar o que se desconhece completamente”. Como amaremos verdadeiramente a Cristo se não conhecemos Sua doutrina, Seus mandamentos, Seus sacramentos, Sua Santa Igreja?

Quantos católicos hoje são incapazes de defender sua fé diante das objeções mais elementares dos incrédulos e hereges! Quantos, quando interrogados sobre as verdades mais básicas do Credo que professam, balbuciam respostas vagas ou, pior ainda, reproduzem erroneamente doutrinas estranhas à tradição católica! Quantos até percebem que algo está errado naquilo que é ensinado, até mesmo por membros da hierarquia, mas nada fazem? Nenhuma atitude tomam, mas somente reclamam e murmuram? Este desconhecimento da fé é uma das causas principais da apostasia que testemunhamos. Como resistirá aos ataques do mundo uma fé que não tem raízes profundas no conhecimento sobrenatural?

Esta quaresma seja, portanto, caríssimos, para cada um de nós, um tempo não apenas de mortificação corporal – necessária, sem dúvida – mas também e sobretudo de alimentação espiritual. Que cada dia esteja marcado pela meditação, pela leitura espiritual, pelo estudo do Catecismo, pela renovação do propósito de perseverar no catecismo de adultos como lhes exortou o padre Pasquotto. Pois o jejum corporal, como diz São Leão Magno ”sem o alimento da alma, de pouco aproveita. Quando o corpo se abstém, que a alma se sacie da Palavra divina; quando os sentidos se mortificam, que o espírito se eleve à contemplação das verdades eternas.”

Por fim, não esqueçam jamais, meus caros, que a verdadeira penitência é sempre acompanhada de alegria – não a alegria frívola e superficial do mundo, que mais parece uma máscara para esconder o desespero interior, mas a profunda e serena alegria de estar junto de Nosso Senhor. São Bernardo nos recorda: “A penitência sem amor é como uma lâmpada sem óleo – logo se apaga. É o amor que dá sentido ao sacrifício, é o amor que torna suave o jugo e leve o fardo.”

Se tivermos dificuldade em fazer penitência por nosso próprio bem – pois nossa natureza decaída resiste ao sacrifício – lembremo-mos desta verdade consoladora: na penitência, estamos unidos intimamente a Cristo sofredor. Quando jejuamos, estamos com Cristo nos quarenta dias do deserto, participando de sua vitória sobre as tentações. Quando mortificamos nossos sentidos, participamos de sua flagelação, oferecendo nosso pequeno sacrifício em união com seu sacrifício infinito. Quando nos privamos dos prazeres mesmo lícitos, compartilhamos em espírito da sua coroação de espinhos. E quando suportamos com paciência as contrariedades da vida, os sofrimentos físicos ou morais, as incompreensões e perseguições, carregamos com ele a cruz até o Calvário sob o escárnio de seus inimigos.

Esta perspectiva sobrenatural, caríssimos fiéis, transforma radicalmente o sentido da penitência quaresmal. Já não é um mero exercício de vontade, mas uma participação na paixão redentora. Já não é uma privação estéril, mas um ato de caridade. Como ensina São Leão Magno: “A penitência cristã é um movimento da alma em direção a Deus. Quanto mais nos afastamos das criaturas por amor a Ele, tanto mais nos aproximamos d’Ele”.

Diante de um mundo hedonista que idolatra o conforto, o prazer sensual, a satisfação imediata, sejamos, caríssimos fiéis, testemunhas do valor redentor do sacrifício. Diante de uma sociedade que ridiculariza a penitência, mostremos com nossa vida que a renúncia cristã não é negação da vida, mas ter a verdadeira vida em Cristo. Diante de um mundo que vive como se Deus não existisse, proclamemos com nossa penitência quaresmal que “só Deus basta”, como diz Santa Teresa d’Ávila.

Assim, que tenhamos recebido hoje as cinzas com humildade e fé. Que estas cinzas não sejam apenas um símbolo externo mas o sinal visível de um coração contrito e humilhado que, como diz o salmista, “Deus não desprezará”. No silêncio da penitência, encontrareis a voz de Deus que fala ao coração; na austeridade do jejum, descobrireis a doçura inefável do amor divino; e na renúncia aos prazeres mundanos, experimentareis a verdadeira liberdade dos filhos de Deus.

“Convertei-vos a mim de todo o vosso coração, com jejuns, lágrimas e gemidos”, clama o Senhor pelo profeta Joel. “Rasgai os vossos corações, e não as vossas vestes, e convertei-vos ao Senhor vosso Deus, porque ele é benigno e misericordioso, paciente e rico em misericórdia.” Atendamos a este chamado, meus caros, não com tristeza ou por mera obrigação exterior, mas com aquela santa alegria de quem sabe que, através do deserto quaresmal, caminha para a doçura da terra prometida que jorra leite e mel.

Que esta Quaresma seja para todos nós um verdadeiro “tempus acceptabile”, um “tempo favorável”, como diz São Paulo – tempo de purificação, de renovação, de conversão autêntica. Que cada um de nós possa repetir com o salmista, ao término destes quarenta dias: “Criastes em mim, ó Deus, um coração puro, e renovastes em meu peito um espírito reto.”

Que a Santíssima Virgem Maria, modelo perfeito de fidelidade, aquela que permaneceu de pé junto à Cruz, nos acompanhe maternalmente nesta jornada de conversão, e que todos possamos chegar à Páscoa renovados na fé, fortalecidos na esperança e ardentes na caridade.


Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *