O Antoniano

Santa Fé Católica, Santo Antônio de Lisboa, sã filosofia et alia

O sermão pregado não segue o texto abaixo ao pé da letra.

Sermão para o Domingo da Sexagésima
Pe. Marcos Vinícius Mattke, IBP
Capela Nossa Senhora das Dores
Brasília/DF, 23 de fevereiro de 2025 A.D.

Caríssimos fiéis,

Eis que nossa Santa Madre Igreja coloca diante de nossos olhos na liturgia de hoje uma longa epístola de São Paulo na qual ele relata todos os seus esforços em pregar o evangelho para a maior glória de Deus e o bem das almas. A própria coleta da missa faz referência ao Apóstolo das Nações, para que ele nos dê a força para enfrentar todos os males. Por isso mesmo, reflitamos sobre um tema fundamental para nossa vida cristã: o esforço e a caridade. Em nosso mundo moderno, que busca cada vez mais conforto e facilidade, é crucial compreendermos o lugar e o valor do esforço em nossa jornada espiritual.

Observemos primeiramente, caríssimos, a criação ao nosso redor. Todo o universo nos ensina esta grande lei do esforço através de toda sua ordem harmônica. Consideremos a natureza: a força gravitacional que mantém as galáxias e o sistema solar coesos e em movimento; o poder instintivo do leão que salta sobre sua presa e da gazela que escapa com um salto leve e rápido; a força da onda que se quebra nos corais e a força das rochas que lhe resistem; a força nuclear forte que mantém os prótons e neutrons unidos no núcleo atômico de coesão do átomo e a força nuclear fraca que faz com que ocorra o decaimento dos núcleos atômicos. Tudo na criação nos mostra que a vida é esforço e que o esforço é vida.

A própria vida humana nos apresenta o mesmo quadro desde seus primeiros instantes. O recém-nascido deve fazer um esforço para respirar, para se proteger contra seu ambiente, e logo para se alimentar. É apenas gastando muita energia que, pelo uso razão, ele se libertará dos imperativos de sua sensibilidade e poderá dominá-la.

Esta lei universal aplica-se ainda mais intensamente à nossa vida espiritual. Nosso Senhor mesmo nos ensina em todas as páginas de seu santo Evangelho que a vida nova que Ele veio instaurar não é de modo algum repousante, ele próprio afirma que não veio trazer a paz do mundo mas a espada da verdade. O céu que devemos alcançar se conquista com grande luta, o céu pertence aos violentos.

Consideremos São Paulo, doutor das gentes. Em sua epístola que nossa Santa Romana igreja nos faz ouvir hoje, ele nos descreve os esforços extraordinários que teve que fazer pelo evangelho: “Cinco vezes recebi dos judeus quarenta açoites menos um; três vezes fui açoitado com varas; uma vez fui apedrejado; três vezes sofri naufrágio… Em viagens frequentes, em perigos de rios, em perigos de salteadores… em trabalhos e fadigas, em vigílias muitas vezes, em fome e sede, em jejuns muitas vezes, em frio e nudez.”

Mas por que o esforço é tão necessário? É porque nossa natureza humana, ferida pelo pecado original, carrega em si resistências ao bem e à verdade. Estas resistências são de duas ordens: internas e externas.

As causas internas estão inscritas em nossa própria carne: a concupiscência, a cobiça dos bens materiais, a tendência ao egoísmo. São Paulo o diz bem: “A carne tem desejos contrários aos do espírito, e o espírito tem desejos contrários aos da carne; são opostos entre si, de modo que não fazeis o que quereis.” É apenas ao preço de um esforço, realizado pela graça de Deus, que o homem pode restabelecer em si a ordem, a hierarquia de suas faculdades.

As causas externas vêm do mundo que nos cerca. O mundo, em seu estado atual, não é como Deus o desejaria. Tornou-se, infelizmente, uma máquina de guerra contra o espírito cristão. Para compreender porque o mundo é anormal, precisamos nos reportar ao paraíso terrestre. Deus havia colocado Adão e Eva num universo bem ordenado e benéfico. Adão foi estabelecido chefe da criação, deu nome a cada criatura, devia, por seu trabalho e autoridade, fazer o mundo servir à glória de Deus.

Mas o que aconteceu? Deslumbrados por sua própria excelência, Adão e Eva desobedeceram a Deus desejando fazerem-se semelhantes a Ele. E conhecemos a sequência. Adão tendo rompido por si mesmo o vínculo de caridade que o unia a Deus, perdeu a graça sobrenatural e os dons preternaturais. Sua própria natureza foi ferida. Nele, foram desde então: a fraqueza da vontade, a ignorância, a tirania das paixões, a inclinação ao mal e aos prazeres desordenados. No exterior: a hostilidade dos animais, a rudeza da terra, o rigor das estações e das intempéries.

Mas eis que o esforço não se opõe ao amor. Ao contrário, é sua expressão mais pura. Seria um erro crer que apenas os perfeitos em estado de paz vitoriosa dão amor a Deus. Não, nossa condição pecadora, nossos combates interiores, nossas tentações, mesmo nossas quedas, são um terreno favorável para manifestar nosso amor a Deus. Os esforços que eles nos impõem são outros tantos atos de caridade.

Quando nos esforçamos por Deus, meus caros conspícuos, provamos nosso amor de três maneiras:

Primeiro, o esforço é a prova de nossa fidelidade. Ninguém é perfeitamente vitorioso do mal nesta terra. A morte sozinha nos torna imutáveis no bem ou, infelizmente, no mal. Já que podemos sempre cair, nosso amor a Deus só será fiel se o provamos por nossos esforços.

Segundo, o esforço é nossa caminhada em direção a Deus. O amor não se contenta com um simples desejo do bem do outro. Ele põe tudo em obra para realizá-lo. Passa à ação. Como a semente que conhece três estados – primeiro adormecida, depois desperta sob a ação do calor e da umidade, e enfim, utiliza toda sua energia para fazer pressão sobre seu invólucro, para sair, crescer em haste, florescer e dar fruto – assim nossa vontade animada pela caridade fará todos os esforços para caminhar em direção a Deus e trabalhar para sua glória.

Terceiro, o esforço é uma imolação, um sacrifício de amor. Como vimos, o esforço é o combate que busca superar as resistências interiores que nos tornam o bem difícil. É, portanto, necessariamente a imolação de algum atrativo. É uma ruptura. Ora, esta renúncia generosa é bem uma marca de amor. É um sacrifício de agradável odor que sobe até Deus.

Mas, coragem, meus caros, não desanimemos! Pois quanto mais o amor é ardente em nós, mais as virtudes estão ancoradas em nossa alma, e mais o esforço tende a desaparecer. Se encontramos em nós reticências ao bem, é certamente a ocasião de manifestar a Deus nosso amor fazendo o esforço que superará esta dificuldade. Mas não seria também o sinal de que nossa vontade não está ainda suficientemente firme no bem, que nossa caridade está tíbia? Lembremo-nos também, caríssimos, que não estamos sozinhos neste combate. Como Deus disse a São Paulo: “Basta-te a minha graça, porque é na fraqueza que se revela perfeitamente a minha força.” Este esforço não tem nada de uma tensão estóica ou pelagiana que pretenderia atingir um estado sobre-humano por suas próprias forças. Sabemos que, cada vez que Nosso Senhor nos pede um esforço, Ele nos dá a graça para realizá-lo.

Por isso mesmo, recordemos a oração que faz Santa Igreja na coleta de hoje, onde pedimos a Deus que sejamos fortalecidos contra todos os males pela proteção de São Paulo Apóstolo das gentes. Sim, como ele, somos chamados ao esforço, mas um esforço que não é estéril, um esforço que produz o fruto delicioso da caridade.

Pois como nos ensina a bela história de Sansão: quando ele ia a Tamna para se casar, foi atacado por um leão rugindo. Sansão “despedaçou o leão como se despedaça um cabrito”. Passando pelo mesmo lugar alguns dias depois, viu no corpo do leão um enxame de abelhas de onde escorria mel. Durante um festim que se seguiu, Sansão propôs este enigma a seus convidados: “Do que come saiu o que se come, do forte saiu o doce.” Assim é na vida espiritual. O esforço, os esforços, como abelhas, destilam na alma o mel da paz e da suavidade divina. Que o Senhor nos dê a força de perseverar neste esforço de amor, até que alcancemos a plenitude da caridade em seu Reino.


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