Sermão para o Domingo da Septuagésima
Pe. Marcos Vinícius Mattke, IBP
Capela Nossa Senhora das Dores
Brasília/DF, 16 de fevereiro de 2025 A.D.
Caríssimos fiéis,
Eis que nos deparamos novamente com o roxo da penitência. Já temos em vista com o cessar do aleluia a austeridade quaresmal. Nossa Santa Madre Igreja não quer que cheguemos abruptamente e de improviso ao tempo de penitência, por isso nesses domingos da septuagésima, sexagésima e quinqüagésima que precedem a Quarta-feira de cinzas a liturgia nos coloca diante do fato inquestionável que somos pecadores, que estamos afastados de Deus pelo pecado e que precisamos fazer algo. Ou seja, ela quer que consideremos e nos preparemos para a penitência.
Como São Paulo nos diz na epístola, chamando-nos ao sacrifício como fazem os atletas para alcançar os louros do mundo, e como nosso senhor nos diz na parábola dos trabalhadores da vinha apresentada no evangelho, devemos combater e fazer penitência para receber a recompensa da vida eterna. Devemos, lutar, não dando socos no ar, como afirma o Apóstolo das gentes, mas castigando e domando nossa carne. Precisamos, pois, meus caros conspícuos, saber o que combatemos, conhecer nosso inimigo, para pelejarmos com a devida disciplina e a devida força.
Hoje venho falar-lhes, meus caros, sobre um dos vícios mais insidiosos e perigosos que podem afetar a alma humana nos tempos atuais de consumismo desenfreado e austeridades possíveis: a avareza. Como nos ensina a sabedoria da Igreja, a avareza não é apenas o amor ao dinheiro – é um amor desordenado e imoderado por posses de qualquer natureza, que pode corromper até mesmo nossa vida espiritual.
Comecemos entendendo a natureza profunda deste vício. São Tomás de Aquino, seguindo Aristóteles, define a avareza como “um amor imoderado de possessões”. Observe atentamente: não é o simples ato de possuir que constitui o pecado, mas sim o amor desordenado ao ter. É quando transformamos o que deveria ser um bom servidor – os bens materiais – em um senhor tirânico que escraviza nossa alma.
A gravidade deste vício se manifesta em um terrível paradoxo espiritual: aquele que pensa possuir acaba sendo possuído. Como nos adverte São Paulo em sua primeira carta a Timóteo: “A raiz de todos os males é o amor ao dinheiro”. O avarento experimenta uma pobreza interior profunda, mesmo quando materialmente rico. São Basílio de Cesaréia expressa isto perfeitamente quando diz: “Tu és pobre, não possuis nenhum bem: és pobre de amor, pobre de bondade, pobre de fé em Deus, pobre de esperança eterna”.
Segundo São Tomás de Aquino, a cupidez em seu sentido geral compreende o desejo de qualquer bem. Porém, em seu sentido mais particular, ela é um desejo imoderado das riquezas (ou avareza), que se torna a raiz de todos os pecados. De fato, ela permite ao homem adquirir a capacidade de cometer qualquer pecado e de ter o desejo de pecar, uma vez que o dinheiro pode ajudar a obter todas as formas de bens. São Tomás sublinha sua gravidade e importância quando afirma que ela é, para o mal, primeira na ordem dos meios, assim como o orgulho é primeiro na ordem dos fins.
A avareza opera em nossa alma como uma força de atração devastadora – quanto mais absorve, mais insaciável se torna. O avarento nunca encontra satisfação, sempre deseja mais. É uma doença espiritual que nos faz perder a verdadeira dimensão da vida humana, que é, fundada na caridade, a dimensão da doação e da gratuidade. Esta enfermidade espiritual se manifesta de várias formas: pode ser a avareza material tradicional, mas também pode ser avareza de tempo, de talentos, ou mesmo de bens espirituais.
O que torna este vício particularmente perigoso é sua capacidade de se disfarçar de virtude. Podemos justificá-lo como “prudência”, “previdência” ou “boa administração”. Mas quando examinamos honestamente nosso coração, percebemos que frequentemente estas justificativas mascaram um apego desordenado aos bens materiais, uma busca incessante de seguranças humanas e uma profunda falta de confiança na Providência divina.
A avareza é um pecado capital porque gera muitos outros pecados. São Tomás de Aquino, seguindo o papa São Gregório, enumera seus frutos amargos: traição, fraude, falsidade, perjúrio, inquietação, violência e endurecimento do coração. O coração do avarento se torna gradualmente insensível às necessidades do próximo, mudo para o bem, cego para o sobrenatural e surdo aos apelos do Espírito Santo.
Mas quais são os remédios para este mal tão profundo e persistente?
O primeiro e mais fundamental remédio é compreender nossa verdadeira natureza como criaturas. Tudo o que temos é dom – “Que tens tu que não tenhas recebido?”, pergunta São Paulo. Nossa verdadeira riqueza não está no que acumulamos, mas em nossa relação filial com Deus. Somos administradores, não proprietários absolutos dos bens que possuímos.
O segundo remédio é a prática da liberalidade – a generosidade bem ordenada. Não se trata de um desapego irresponsável, mas de usar os bens segundo sua verdadeira finalidade: para nossa necessidade razoável e para o bem do próximo. Como nos ensina o Evangelho: “Gratuitamente recebestes, gratuitamente dai”. A septuagésima nos leva a considerar e a quaresma nos impelirá em breve a este exercício indispensável para todo católico que é a prática da esmola.
O terceiro remédio é cultivar uma profunda confiança na Providência divina. O acúmulo obsessivo de bens frequentemente revela uma profunda ansiedade sobre o futuro e uma falta de confiança em Deus. Como nos ensina o Evangelho: “Buscai primeiro o Reino de Deus e sua justiça, e todo o mais ser-vos-á dado em acréscimo“. Esta confiança não é ingenuidade ou irresponsabilidade, mas a certeza fundamentada na fé de que Deus provê para seus filhos.
O quarto remédio é desenvolver um amor pelos bens verdadeiramente importantes – os bens espirituais que, ao contrário dos materiais, crescem quando são compartilhados. A fé, a esperança e a caridade são riquezas que aumentam quando as partilhamos. Como diz belamente Santa Teresa d’Ávila: “Quem a Deus tem, nada lhe falta. Só Deus basta”.
Finalmente, precisamos cultivar uma visão sobrenatural da vida; possuir uma fé viva e não meramente um acúmulo soberbo de conhecimentos. Devemos ver tudo do ponto de vista de Deus, a partir da eternidade. Viemos a este mundo sem nada e partiremos sem nada. O que verdadeiramente importa é o que fazemos com o que nos foi confiado no intervalo entre estes dois momentos. Cada bem material deve ser visto como uma oportunidade de exercer a caridade e crescer em santidade.
A libertação da avareza não é apenas uma questão de desprendimento exterior, mas uma profunda transformação interior. É um caminho de conversão que nos leva a redescobrir nossa verdadeira dignidade como filhos de Deus, chamados não a acumular tesouros na terra, mas a construir um tesouro no céu através do amor a Deus e ao próximo.
Todos esses princípios podem ser aplicados de forma simples e eficaz no nosso dia, se nos mantivermos fiéis a oração, sobretudo a meditação, e ao exame de consciência.
Donde, primeiro, façamos um exame regular de consciência sobre nossa relação com os bens materiais. Perguntemo-nos: Quanto tempo gasto pensando em dinheiro e posses? Essas preocupações vem mais à minha mente que pedido de ajuda a Deus? Minhas preocupações financeiras estão me impedindo de confiar na Providência Divina? Tenho dificuldade em doar ou compartilhar o que possuo? Estas perguntas simples podem revelar áreas onde a avareza pode estar se instalando em nosso coração.
Segundo, estabeleçamos práticas concretas de desprendimento. Por exemplo, sempre antes de fazer alguma compra fora do ordinário, aguardemos pelo um dia para refletir se realmente necessitamos daquele item. Desenvolvamos o hábito de doar regularmente, mesmo pequenas coisas e não apenas o que sobra, sabendo fazer pequenos sacrifícios para o bem do próximo. Isso exercita nossa capacidade de desprendimento, ou seja, nos faz crescer na liberdade cristã.
Terceiro, a ação de graças. Agradeçamos sinceramente a Deus por tudo aquilo que recebemos e temos. Pelos bens naturais e sobretudo pela vida da graça, que nos foi dada pelo sangue derramado de nosso Salvador. A gratidão é um antídoto poderoso contra a avareza, pois nos ajuda a perceber a riqueza infinita que nos é dada por Deus em todos as coisas.
Quarto, pratiquemos regularmente a esmola, e isso com um olhar cristão de diminuir o sofrimento do próximo por amor de Deus, não para resolver problemas sociais. Fugindo da perversidade dos erros de vê-la como redistribuição de renda ou condenando a prática por desencorajar o trabalho. Quem vê a esmola assim são os demônios de esquerda e de direita. Separemos uma quantia para ajudar os necessitados. Não esperemos ter “o suficiente” para começar a partilhar – comecemos com o que tem agora. A prática da caridade nos liberta do medo da escassez e fortalece nossa confiança em Deus.
Quinto, não fiquemos para tudo dependentes do dinheiro e dos bens e serviços mundanos. Saibamos cultivar interesses e alegrias naturais que não dependam de gastos materiais extraordinários. Não precisamos ficar comprando novas coisas, indo a eventos, pedindo comidas extraordinárias a toda hora. Aproveitemos o que temos ao nosso alcança, as nossas amizades, as nossas leituras, hobbies interessantes. Aprendamos a simplicidade das alegrias naturais que estão ao nosso alcance no dia a dia.
Por fim, pode parecer simplista, mas a verdade é que não pensamos nisso: façamos um inventário periódico de nossos bens. Perguntemo-nos: do que realmente precisamos? O que esperamos fazer com essas coisas que nem lembrávamos que possuíamos? O que podemos doar? O que estou guardando sem necessidade? Este exercício prático nos ajudará a ter uma relação de verdadeira liberdade espiritual e evangélica com os bens materiais.
Lembremos sempre: o objetivo claramente não é viver na miséria, mas usar os bens materiais como meios para nossa santificação e para o serviço ao próximo. Como nos ensina Santo Agostinho: ‘Use as coisas temporais, mas deseje as eternas.
Que o Espírito Santo nos conceda a graça de nos libertarmos das cadeias da avareza e vivermos na verdadeira liberdade dos filhos de Deus, usando os bens deste mundo com sabedoria e desprendimento, sempre atentos ao que podemos fazer concretamente em favor do próximo, e mantendo nosso coração fixo nos bens eternos.

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