O Antoniano https://oantoniano.com/ Santa Fé Católica, Santo Antônio de Lisboa, sã filosofia et al. Mon, 19 May 2025 12:49:52 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.8.1 https://oantoniano.com/wp-content/uploads/2025/03/cropped-IBP-legiaostoantonio-32x32.png O Antoniano https://oantoniano.com/ 32 32 243765990 [Sermão] Onde estão as verdadeiras alegrias: fixar nossos corações na verdade imutável https://oantoniano.com/sermao-onde-estao-as-verdadeiras-alegrias-fixar-nossos-coracoes-na-verdade-imutavel/ https://oantoniano.com/sermao-onde-estao-as-verdadeiras-alegrias-fixar-nossos-coracoes-na-verdade-imutavel/#respond Mon, 19 May 2025 12:49:50 +0000 https://oantoniano.com/?p=151 Sermão para o IV Domingo depois da PáscoaPe. Marcos Vinicius Mattke, IBP Brasília-DF, 18 de maio de 2025 A.D. Caríssimos fiéis, Neste quarto domingo depois da Páscoa nossa Santa Romana Igreja dirige a Deus uma prece que deve guiar a nossa oração e assim formar a nossa vida: “Deus, qui fidélium mentes uníus éfficis voluntátis: […]

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Sermão para o IV Domingo depois da Páscoa
Pe. Marcos Vinicius Mattke, IBP

Brasília-DF, 18 de maio de 2025 A.D.

Caríssimos fiéis,

Neste quarto domingo depois da Páscoa nossa Santa Romana Igreja dirige a Deus uma prece que deve guiar a nossa oração e assim formar a nossa vida: “Deus, qui fidélium mentes uníus éfficis voluntátis: da pópulis tuis id amáre quod praecipis, id desideráre quod promíttis; ut inter mundánas varietátes ibi nostra fixa sint corda, ubi vera sunt gáudia.” “Ó Deus, que unis as mentes dos fiéis numa só vontade, concedei ao vosso povo amar o que ordenais e desejar o que prometeis, para que, em meio às mudanças deste mundo, nossos corações permaneçam fixos onde estão as verdadeiras alegrias.”

Consideremos, meus caros, o contraste presente nesta prece: de um lado, as “mundánas varietátes” – as mudanças deste mundo, inconstantes, efêmeras, sedutoras; de outro, as “vera gáudia” – as verdadeiras alegrias, imutáveis, eternas, divinas. Entre estas duas realidades, onde devem estar fixos os nossos corações?

Nossa santa Madre Igreja, em sua sabedoria, nos recorda hoje que a verdade não muda com os tempos, não se dobra aos caprichos da moda, não se submete às opiniões humanas, por mais eruditas que pareçam ser. Não, meus caros. A verdade católica permanece, como um farol inabalável em meio à tempestade dos erros modernos.

São Vicente de Lérins, nos primeiros séculos da Igreja, já nos advertia com clareza: “Na Igreja Católica deve-se ter o maior cuidado em manter o que foi acreditado em todos os lugares, sempre e por todos.” Consideremos bem estas palavras: “Em todos os lugares” – a universalidade; “sempre” – a perpetuidade; “por todos” – o consenso dos fiéis. Eis os critérios infalíveis da verdade católica!

Mas, meus caros, eis que hoje, quantos não se deixam levar pelas novidades teológicas, pelas interpretações singulares, pelas adaptações ao espírito do mundo? Quantos não desprezam a verdade para aderir às modas do momento, àquilo que é mais prazeroso, mais fácil, mais cômodo, mais popular? Como se pudessem moldar a realidade à sua vontade. Pobres destes, que pensam que a Igreja de ontem não é a mesma de hoje; que a doutrina pode evoluir não apenas em expressão, mas em substância!

Por isso mesmo juramento Antimodernista – esquecido, senão desprezado, por muitos hoje – mas que renovamos sempre que recebemos uma ordem ou assumimos cargo de ensino, nós afirmamos: “Fidei doctrinam ab Apostolis per orthodoxos Patres eodem sensu eademque semper sententia ad nos usque transmissam, sincero recipio.” Aceitamos sinceramente a doutrina da fé transmitida pelos Apóstolos através dos Padres ortodoxos, sempre no mesmo sentido e na mesma interpretação até nós.

Não, meus caros, não há uma doutrina do século I e outra do século XXI. Não há uma verdade de ontem e outra de hoje! A verdade é como o próprio Deus – imutável. Pois como nos ensina a Epístola de hoje: “Apud quem non est transmutatio nec vicissitudinis obumbratio.” Em Deus não há mudança nem sombra de variação. É o que afirma São Roberto Belarmino: “A Igreja é a mesma em todas as épocas, e permanecerá a mesma até o fim dos tempos.” A Igreja – Una, Santa, Católica e Apostólica – não é uma realidade histórica sujeita às contingências dos tempos, mas o Corpo Místico de Cristo, transcendente às vicissitudes mundanas.

E como alcançar esta firmeza inabalável na fé? Como fixar nossos corações “onde estão as verdadeiras alegrias”? São Tomás de Aquino nos diz: “Três coisas são necessárias para a salvação do homem: conhecer o que deve crer, conhecer o que deve desejar e conhecer o que deve fazer.”

Eis aí, meus caros, o tríplice fundamento da vida cristã: uma fé iluminada, uma esperança ardente, uma caridade operante. E notemos como isto se harmoniza admiravelmente com a coleta de hoje: “amar o que ordenais” – a caridade expressa na obediência a Deus; “desejar o que prometeis” – a esperança voltada para os bens eternos!

Ainda, o Santo Evangelho de hoje nos apresenta o Senhor anunciando o envio do Espírito Santo: “Cum autem venerit ille Spiritus veritatis, docebit vos omnem veritatem.” Quando vier o Espírito da Verdade, ele vos ensinará toda a verdade. Mas, meus caros, este Espírito da Verdade não fala hoje algo diferente do que falou ontem! Não revela hoje novidades que contradizem as antigas verdades! Não inspira hoje doutrinas que relativizam os dogmas perenes! O Espírito Santo não é um espírito de confusão, mas de ordem; não de revolução, mas de fidelidade à Tradição. Deus não se contradiz!

Por isso São Pio X em sua primeira encíclica E Supremi apostolatus proclama como um clarim: “Não devemos apenas defender a fé, mas também lutar energicamente para promovê-la.” Sim, meus caros, não basta uma atitude defensiva, passiva, tímida diante dos erros modernos. Não devemos professar a fé católica como que se desculpando, se justificando por existir, barganhando espaço, mitigando a verdade para ter alguma voz. Como ensina São Basílio Magno: “Não devemos acomodar a nossa fé ao tempo, mas conformar o tempo à nossa fé.” A verdade católica não necessita de complacências nem de compromissos vergonhosos! São João Crisóstomo nos recorda: “Nada é mais forte que a verdade; nada mais fraco que a falsidade, mesmo quando apoiada por inumeráveis artifícios.” É preciso lutar com as armas da verdade, da caridade e da oração, pelo triunfo da doutrina imutável. Santo Atanásio, aquele gigante da ortodoxia, não temeu permanecer sozinho contra o mundo quando a heresia ariana parecia triunfar: “Não pode haver compromisso com o erro. Aquele que começa por ceder um pouco da verdade acabará por perdê-la completamente.” É necessário professar corajosamente a fé de forma íntegra e clara, sem concessões, sem timidez, mas com a ousadia e coragem dos mártires, pois como afirma Tertuliano: “A verdade não pede favor algum; não necessita de indulgência. Tudo o que ela requer é que não seja condenada sem ser ouvida.” Sim, meus caros, a verdade católica se impõe por sua própria força divina, não por concessões humanas! Como afirma são João Crisóstomo: “A verdade, mesmo silenciada, grita; mesmo proscrita, triunfa; mesmo pisoteada, ressurge invencível.”

E o mesmo Santo Pontífice, em sua magistral encíclica contra o modernismo, Pascendi Dominici Gregis, desmascara a tática dos inovadores: “Longe de tentar suprimir a tradição, os inovadores procuram falsamente usá-la em apoio às suas opiniões.” Quanto sagaz e atual: os modernistas não negam abertamente a Tradição – isso seria demasiado escandaloso – mas a reinterpretam, a deformam, a subvertem para fazê-la dizer o que nunca disse! Abusam da história para contradizer o dogma, da hermenêutica para esvaziar a revelação, da pastoral para relativizar a moral.

Mas nós, meus caros, permaneceremos firmes na fé e na liturgia de nossos pais! Sem compromissos, sem concessões, sem recuos. Não nos deixaremos seduzir pelas “mundánas varietátes”! Fixaremos nossos corações “ubi vera sunt gáudia” – onde estão as verdadeiras alegrias!

E como fazer isto concretamente?Pela formação, pela oração e pelo exemplo.

Consideremos, meus caros, quão vital é a boa formação na fé. O ignorante na fé é como um soldado sem armas, um viajante sem mapa. Em tempos de confusão doutrinária como os nossos, então, quanto mais importante é a formação séria na doutrina. São Jerônimo nos adverte: “A ignorância das Escrituras é ignorância de Cristo.” Como a fé vem pelo ouvido, poderíamos bem arrematar: a ignorância do Catecismo é ignorância da fé. Como ensina Santo Atanásio: “É melhor lutar pela verdade do que possuir todas as riquezas do mundo.”

Não basta, porém, conhecer a verdade intelectualmente; é preciso assimilá-la meditação e pelos sacramentos. A fé não é meramente uma série de proposições a crer, mas uma Pessoa Divina a amar! A Santa Missa, meus caros, eis o centro insubstituível da vida cristã! A Missa de sempre, pela qual lutamos, o rito Romano tradicional, onde cada gesto, cada palavra, cada silêncio é carregado de sentido teológico, onde o mistério tremendo da Presença Real é adorado com o devido temor e tremor. Santo Tomás de Aquino ensina: “A Eucaristia é o sacramento dos sacramentos, a consumação da vida espiritual.” E é claro, com nossa devoção a Nossa Senhora, sobretudo pelo Terço diário, esse compêndio do Evangelho, essa arma poderosa contra as heresias, como proclamou São Luis Maria Grignion de Montfort: “O Rosário é a arma mais poderosa para tocar o Coração de Jesus.” Claro, não negligenciemos também a adoração eucarística, onde Cristo realmente presente espera por nós para que o consolemos, e aproximemo-nos frequentemente do sacramento da Penitência, não como uma mera formalidade, mas como um meio de conversão pela misericórdia divina. Sem esta vida sacramental e de oração, a fé se torna árida especulação e a luta pela verdade degenera em polêmica estéril! Como afirma São Cipriano: “Ninguém pode ter a Deus por pai se não tem a Igreja por mãe.” É na intimidade com Cristo Eucarístico, na veneração filial à Santíssima Virgem, na frequência devota aos sacramentos que teremos a força para permanecer fiéis à verdade imutável em tempos de apostasia generalizada.

Finalmente, meus caros, após conhecer a verdade e vivê-la interiormente, é preciso testemunhá-la corajosamente diante do mundo, sem respeito humano, sem concessões ao espírito do tempo. O respeito humano – esse temor servil da opinião alheia, essa paralisia espiritual que nos impede de confessar abertamente nossa fé – é uma das mais graves enfermidades de hoje. Quantos católicos, como Nicodemos, só se atrevem a buscar a Cristo nas sombras da noite, tacitamente reconhecendo diante do mundo que Cristo é uma questão de opinião privada. Mas o Salvador nos adverte: “Quem se envergonhar de Mim e das Minhas palavras, diante desta geração adúltera e pecadora, também o Filho do Homem Se envergonhará dele.” Não há lugar para a tibieza, para a covardia, para o catolicismo vergonhoso. Como proclama São Justino Mártir: “A verdade, seja por si própria ou pelo sangue dos mártires, sempre vencerá no final.” Os primeiros cristãos confessavam sua fé diante dos imperadores e dos leões; os mártires derramavam seu sangue nas arenas – e nós, herdeiros de tão gloriosa linhagem, hesitaríamos em fazer o sinal da cruz em público, em defender a doutrina católica em uma conversa. É preciso, como nos exorta São João Crisóstomo, que “a verdade, mesmo silenciada, grite; mesmo proscrita, triunfe; mesmo pisoteada, ressurja invencível.” Sejamos católicos não apenas de nome, mas de fato; não apenas no Capela, mas no lar, na escola, no trabalho, na rua. E se o mundo nos odiar, alegremo-nos! Pois assim foram tratados os profetas, os apóstolos, os mártires de todos os tempos! Como disse Nosso Senhor: “Se o mundo vos odeia, sabei que primeiro Me odiou a Mim.” Este testemunho corajoso, sem respeito humano, é o complemento necessário da formação doutrinal e da vida sacramental, para que, em meio às “mundánas varietátes”, nossos corações permaneçam fixos “ubi vera sunt gáudia” – onde estão as verdadeiras alegrias!

Meus caros, neste tempo pascal, quando contemplamos o Cristo Ressuscitado, vencedor da morte e do pecado, renovemos nossa adesão à verdade imutável da fé católica. E pela intercessão da Santíssima Virgem Maria, sede da Sabedoria e Auxílio dos Cristãos, obtenhamos a graça de amar o que Deus ordena e desejar o que promete, para que em meio às mudanças deste mundo, nossos corações permaneçam fixos onde estão as verdadeiras alegrias.

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[Sermão] O martírio quotidiano do católico na sociedade moderna https://oantoniano.com/sermao-o-martirio-quotidiano-do-catolico-na-sociedade-moderna/ https://oantoniano.com/sermao-o-martirio-quotidiano-do-catolico-na-sociedade-moderna/#respond Tue, 13 May 2025 19:46:53 +0000 https://oantoniano.com/?p=148 Sermão para o III Domingo depois da PáscoaPe. Marcos Vinicius Mattke, IBP Brasília-DF, 11 de maio de 2025 A.D. Caríssimos fiéis, Neste tempo pascal, em que nossa Santa Madre Igreja ainda se alegra com a Ressurreição do Senhor, a liturgia deste III Domingo nos leva a considerar nossa missão neste mundo. A Coleta de hoje […]

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Sermão para o III Domingo depois da Páscoa
Pe. Marcos Vinicius Mattke, IBP

Brasília-DF, 11 de maio de 2025 A.D.

Caríssimos fiéis,

Neste tempo pascal, em que nossa Santa Madre Igreja ainda se alegra com a Ressurreição do Senhor, a liturgia deste III Domingo nos leva a considerar nossa missão neste mundo. A Coleta de hoje eleva Deus uma súplica digna de nossa meditação: “Deus, qui errántibus, ut in viam possint redíre iustítiæ, veritátis tuæ lumen osténdis: da cunctis, qui christiána professióne censéntur, et illa respúere, quæ huic inimíca sunt nómini; et ea, quæ sunt apta, sectári.” “Ó Deus, que mostrais a luz da vossa verdade aos que andam errados, para que possam voltar ao caminho da justiça: concedei a todos os que se consideram cristãos a graça de rejeitar o que é contrário a este nome e seguir o que lhe é conforme.

Meus caros, contemplemos primeiramente esta imagem da luz divina que dissipa as trevas do erro. Neste mundo obscurecido pelo pecado e pela confusão doutrinária, onde tantas almas vagam sem rumo, perdidas nos labirintos das falsas filosofias, resplandece a luz imutável da Verdade revelada, e isso pelo testemunho dos membros da Santa Igreja. Como ensina São João Crisóstomo: “Não é possível que o esplendor de um santo permaneça oculto, principalmente quando ele ilumina todo o mundo com os raios de suas obras.” Se o santo não pode ocultar sua luz, quanto mais devem os fiéis deixar brilhar o esplendor da graça que receberam nas águas batismais.

Consideremos, pois, a grave responsabilidade que pesa sobre nossos ombros. Cada um de nós, por nossa conduta, é como um espelho que reflete ou distorce a imagem de Cristo para aqueles que o desconhecem. Os pagãos de hoje — sim, meus caros, porque pagãos há em abundância mesmo entre os que ostentam o nome de cristãos — observam atentamente como vivem aqueles que professam a verdadeira fé. O que veem eles? Veem a coerência evangélica ou o escândalo da contradição?

São Pedro, na Epístola que a Santa Romana Igreja nos propõe hoje, exorta-nos com palavras incisivas: “Caríssimos, rogo-vos, como a peregrinos e estrangeiros, que vos abstenhais dos desejos carnais que combatem contra a alma, tendo entre os gentios um comportamento exemplar.” Notemos, meus caros, esta expressão que o Príncipe dos Apóstolos utiliza: somos “peregrinos e estrangeiros”. Nossa pátria não é este mundo, mas sim o Céu para o qual caminhamos. E no entanto, durante esta peregrinação terrena, somos chamados a dar testemunho daquela realidade que os olhos carnais não podem ver.

Este testemunho, meus caros, não é sem custo. Foi São Cipriano de Cartago quem, enfrentando a perseguição romana, proferiu estas palavras importantíssimas para nós: “O Senhor quis que nos alegrássemos e exultássemos nas perseguições, porque quando estas sobrevêm, então se recebem as coroas da fé.” A alegria na tribulação — que paradoxo admirável da vida cristã! Enquanto o mundo busca desesperadamente eliminar todo sofrimento, o discípulo de Cristo abraça sua cruz cotidiana como instrumento de redenção.

E aqui, meus caros, chegamos ao cerne de nossa pregação. Ser testemunha de Cristo, verdadeiramente, constitui um martírio. A própria palavra “mártir”, do grego μάρτυς, não significa outra coisa senão “testemunha”. O mártir é aquele que testemunha até as últimas consequências a verdade da fé que professa, que mantém até o fim a coerência com a realidade sobrenatural; mantém essa coerência que para o mundo é loucura.

Lembremo-nos dos primeiros cristãos que derramaram seu sangue nas arenas romanas. São Inácio de Antioquia, conduzido a Roma para ser devorado pelas feras, escreveu em sua epístola: “Sou o trigo de Deus; devo ser moído pelos dentes das feras para me tornar o pão puro de Cristo.” Que entusiasmo ardente! Que desejo veemente de configurar-se a Cristo crucificado! Perguntemo-nos, onde encontraremos hoje tal fervor entre os católicos? Muitos mundanos querem morrer por tolices ecológicas ou causas abomináveis. Onde estão os filhos da Igreja para testemunhar e dar a vida pela salvação eterna, o maior bem e glória possível?

Meus caros, nem todos serão chamados ao martírio de sangue. Mas todos — ouçam bem! — todos sem exceção são chamados ao martírio da fidelidade cotidiana. É o martírio do pai de família que recusa um negócio lucrativo mas desonesto, é o martírio da mãe que tanto dá de si pelo bem do filho, é o martírio do jovem que preserva a pureza em meio a um mundo devasso, é o martírio do idoso que suporta com paciência os achaques da idade. É o martírio de todos os católicos que enfrentam diariamente as zombarias dos colegas de trabalho quando se recusam a participar de conversas impuras, que suportam os deboches nas universidades quando defendem a doutrina imutável da Igreja, que são taxados de retrógrados quando se opõem às infames “leis progressistas”, que veem seus filhos hostilizados na escola por não se conformarem com as ideologias perversas, que sofrem perseguição no trabalho por defenderem abertamente os valores cristãos, e que são marginalizados eclesiasticamente por frequentarem a Missa Tradicional em tempos de confusão litúrgica. Pequenos martírios que, unidos ao sacrifício redentor de Cristo, adquirem valor infinito. Pequenos martírios que, unidos ao sacrifício redentor de Cristo, adquirem valor infinito.

O que devem rejeitar, então, para serem testemunhas autênticas? São Tomás de Aquino nos dá o norte: “O homem não deve, por medo da morte, abandonar a defesa do que pertence à vida boa.” Observemos como ele vai à raiz da questão: é o temor, meus caros, frequentemente o temor do que dirão, o temor de perder vantagens terrenas, o temor de ser ridicularizado, que nos faz abandonar o testemunho cristão. Quantos, por covardia, silenciam diante do erro! Quantos, por respeito humano, contemporizam com o mal! Quantos, por amor às comodidades, transigem com os princípios imutáveis da moral!

E o que devemos, pelo contrário, seguir? Escutemos as palavras de São Bento: “Escuta, filho, os preceitos do mestre, e inclina o ouvido do teu coração.” Notemos a dupla dimensão desta escuta: não basta o ouvido externo, é necessário o ouvido interior, o ouvido do coração. A fé não é mera adesão intelectual a um conjunto de verdades abstratas; é a resposta amorosa da criatura ao chamado do Criador. É deixar que a Palavra Divina penetre até a medula da alma e transforme todo nosso ser.

Mas, é claro, seguir a Cristo nos coloca numa posição paradoxal face ao mundo. Estar no mundo sem ser do mundo. Tomar parte na sociedade sem absorver seu espírito. Usar dos bens terrenos sem a eles se escravizar. E tudo isso para incendiar o mundo com o amor de Deus, ser luz do mundo e sal da terra. Santa Catarina de Sena expressa de modo admirável este vocação à santidade transformadora: “Se fordes o que deveis ser, incendiareis o mundo inteiro.” O fogo que Cristo veio trazer à terra deve arder primeiro em nossos corações para depois comunicar-se aos demais.

Eis por que ser verdadeiramente católico é aquilo que de mais ousado podemos fazer na sociedade — não no sentido subversivo que os inimigos da ordem pretendem — mas no sentido de que nossa presença questiona as falsas seguranças do mundo e aponta para realidades sobrenaturais. Todos já notamos, como o verdadeiro católico incomoda precisamente porque sua vida é uma contínua acusação da mediocridade e do relativismo moral, um constante denúncia do materialismo, uma refutação viva do hedonismo que domina nossa sociedade.

Meus caros, ao aproximar-me da conclusão desta homilia, permitam-me recordar-lhes que o testemunho cristão, para ser eficaz, deve estar alicerçado na vida de oração. Como ensina o Papa São Pio X: “A oração é a arma mais poderosa que um cristão possui. É a chave que abre o coração de Deus.” Sem esta união íntima com Cristo, nossas melhores intenções de apostolado resultarão em fracasso. A força para o martírio cotidiano brota da nossa união com Cristo pela graça, no silêncio da adoração, na vida sacramental, na meditação quotidiana. 

O Evangelho de hoje nos recorda as palavras do Senhor: “Um pouco e já não me vereis; e outra vez um pouco, e ver-me-eis; porque vou para o Pai… Em verdade, em verdade vos digo: vós chorareis e vos lamentareis, mas o mundo se alegrará; vós estareis tristes, mas a vossa tristeza se transformará em alegria.” Eis a promessa que sustenta nossa esperança! A tristeza do presente — as incompreensões, as perseguições, as dificuldades inerentes ao combate espiritual — será transformada na alegria eterna do Céu. Do mesmo modo que Nossa Senhora, após as dores indizíveis do Calvário, exultou com a Ressurreição de seu Filho, também nós, seus filhos adotivos, depois das provações desta vida, participaremos da glória que não tem fim.

Meus caros, ao sair hoje da capela, interroguemo-nos sinceramente: “Minha vida é verdadeiro testemunho de Cristo? Estou disposto ao martírio cotidiano que a fidelidade evangélica exige? Sou luz para os que andam nas trevas ou, pelo contrário, motivo de escândalo?” E que a resposta a estas perguntas nos impulsione a uma conversão cada vez mais profunda, para que possamos dizer com o Apóstolo: “Já não sou eu quem vive, é Cristo que vive em mim.”

E claro, não posso deixar de recordar nosso dever sagrado de rezar incessantemente pelo Santo Padre, o Papa Leão XIV, que a Divina Providência recentemente colocou à frente da Barca de Pedro. Em tempos tão atribulados, quando os inimigos da Santa Igreja multiplicam seus ataques tanto do exterior quanto, mais perigosamente, do interior do próprio santuário, necessitamos de um Pastor que, como verdadeiro Vigário de Cristo na terra, seja testemunha intrépida da Verdade revelada. Elevemos, portanto, nossas preces a Deus para que o Santo Padre seja fortalecido pelo Espírito Santo em seu múnus de confirmar os irmãos na fé, para que não se deixe intimidar pelos poderosos deste mundo apóstata, para que resista às pressões dos que desejam acomodar a doutrina imutável ao espírito cambiante do mundo, e para que, a exemplo dos grandes Papas que o precederam, defenda com determinação inabalável o depósito sagrado da fé contra todos os erros. Que Deus lhe conceda sabedoria para discernir a vontade de Deus, prudência para conduzir a Igreja em meio às tempestades, e a coragem apostólica para ser, como seu patrono São Leão Magno, um baluarte contra as heresias de nossa época.

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[Sermão] São José: guardião fiel do corpo de Cristo na terra e no céu https://oantoniano.com/sermao-sao-jose-guardiao-fiel-do-corpo-de-cristo-na-terra-e-no-ceu/ https://oantoniano.com/sermao-sao-jose-guardiao-fiel-do-corpo-de-cristo-na-terra-e-no-ceu/#respond Wed, 07 May 2025 22:25:47 +0000 https://oantoniano.com/?p=144 Sermão para a Festa de São José, esposo da Santíssima Virgem, confessor e Patrono da Igreja UniversalQuarta-feira após o II Domingo depois da Páscoa Brasília-DF, 07 de maio de 2025 A.D. Caríssimos, Celebramos hoje uma das mais insignes festividades do calendário litúrgico: a solenidade do Patrocínio de São José, Esposo da Santíssima Virgem Maria, Confessor […]

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Sermão para a Festa de São José, esposo da Santíssima Virgem, confessor e Patrono da Igreja Universal
Quarta-feira após o II Domingo depois da Páscoa

Brasília-DF, 07 de maio de 2025 A.D.

Caríssimos,

Celebramos hoje uma das mais insignes festividades do calendário litúrgico: a solenidade do Patrocínio de São José, Esposo da Santíssima Virgem Maria, Confessor e Padroeiro da Igreja Universal. Esta festa, fixada pela sabedoria da Santa Igreja na quarta-feira após o segundo domingo depois da Páscoa, foi instituída pelo Sumo Pontífice Pio IX em 1847, e posteriormente elevada ao rito duplo de primeira classe pelo Papa Leão XIII.

Na Epístola de hoje, retirada do Livro do Gênesis, a Igreja nos apresenta a figura do antigo patriarca José, filho de Jacó, como prefiguração de nosso São José. Assim como aquele José foi constituído administrador de toda a terra do Egito e salvador de seu povo durante a grande fome, assim também Deus constituiu São José protetor da Sagrada Família e, posteriormente, guardião de toda a Igreja. E no Santo Evangelho, escutamos as palavras do anjo a São José: “José, filho de Davi, não temas receber Maria por tua esposa, pois o que nela foi concebido vem do Espírito Santo” (Mt I, 20).

A liturgia desta festa nos faz, portanto, meditar sobre o patrocínio especial que São José exerce sobre a Igreja Universal, e sobre como devemos recorrer a ele em todos os perigos e necessidades. Pois se Deus lhe confiou a proteção de Seu próprio Filho na terra, quanto mais não lhe confiará a proteção de Seu Corpo Místico!

No dia de hoje, nossa Santa Romana Igreja celebra com grande solenidade a figura excelsa de São José, varão justo, esposo castíssimo da Virgem Maria e Pai adotivo de Nosso Senhor Jesus Cristo. Não é por acaso que a Providência Divina escolheu este humilde carpinteiro de Nazaré para ser o patrono e protetor da Igreja Universal. Meditemos, pois, sobre a importância deste grande patriarca na economia da salvação e em nossos tempos atuais.

Consideremos primeiramente a missão sublime confiada a São José: foi ele quem recebeu do próprio Deus a tarefa de proteger, cuidar e sustentar o Corpo Físico de Cristo. Quando o Anjo do Senhor apareceu-lhe em sonhos e disse: “José, filho de Davi, não temas receber Maria por tua esposa, pois o que nela foi concebido vem do Espírito Santo” (Mt I, 20), ele não hesitou. Com prontidão e obediência exemplares, recebeu o Verbo Encarnado sob sua proteção.

Foi São José quem conduziu a Sagrada Família para o Egito, salvando o Divino Infante da perseguição de Herodes. Foi ele quem, com o suor de seu rosto, trabalhou arduamente como carpinteiro para prover o sustento do Filho de Deus e de Sua Santíssima Mãe. Foi ele quem ensinou ao próprio Criador do universo o ofício da carpintaria, transmitindo-lhe a dignidade do trabalho honesto.

Como ensina o Papa Leão XIII em sua encíclica Quamquam Pluries: “As razões pelas quais São José deve ser considerado o especial patrono da Igreja, e a Igreja, por sua vez, esperar muitíssimo de sua tutela e patrocínio, nascem principalmente do fato de ele ter sido o esposo de Maria e pai putativo de Jesus Cristo.”

Assim como Deus confiou a São José a guarda e proteção de Seu Filho Unigênito e da Santíssima Virgem Maria, também confiou a ele a proteção de Seu Corpo Místico, que é a Santa Igreja Católica. Segundo as palavras do venerável Pio IX, ao proclamar São José Patrono da Igreja Universal: “Assim como Deus constituiu o patriarca José, filho de Jacó, administrador de toda a terra do Egito para conservar o trigo para o povo, assim também, ao chegar a plenitude dos tempos, escolheu outro José, do qual o primeiro era figura, e fê-lo senhor e príncipe de sua casa e de sua herança.”

A analogia é perfeita e divinamente ordenada: assim como São José velou pelo Menino Jesus, defendendo-o das ciladas de Seus inimigos, agora, no céu, continua exercendo sua paternidade espiritual, protegendo a Santa Igreja dos ataques do Maligno e daqueles que buscam destruí-la.

Vejamos, então, meus caros, como São José exerce sua proteção sobre o clero e os fiéis, que constituem o Corpo Místico de Cristo.

O sacerdócio católico, imagem viva de Cristo Bom Pastor, encontra em São José um poderoso intercessor e modelo de virtudes. Foi ele quem primeiro contemplou, com olhos de fé, o sacerdócio eterno de Cristo. Foi ele quem primeiro adorou o Verbo Encarnado, que haveria de se oferecer como sacrifício pelos pecados da humanidade.

Como ensina o insigne Papa Pio XI: “São José é o modelo dos educadores e protetor dos seminários, pois formou, com seus exemplos e conselhos, Jesus Cristo em sua humanidade.”

Para os religiosos e consagrados, São José é o modelo perfeito de castidade consagrada, de obediência pronta e de pobreza evangélica. Sua vida oculta em Nazaré ensina-nos o valor do silêncio, da humildade e do trabalho santificado.

Para os fiéis leigos, São José demonstra como santificar-se no meio do mundo, através do trabalho honesto e da fidelidade aos deveres familiares, ele é por excelência o santo do quotidiano. Como chefe da Sagrada Família, ele nos ensina a governar cristãmente nossos lares, fazendo deles verdadeiras “igrejas domésticas”, onde Cristo reina e é amado.

Em nossos tempos conturbados, quando a Santa Igreja sofre ataques de toda sorte, tanto externos quanto internos, São José ergue-se como um baluarte inexpugnável.

Os inimigos externos da Igreja são numerosos: o ateísmo militante, o materialismo desenfreado, o relativismo moral, o secularismo agressivo. Contra estas forças que buscam extirpar a fé do coração dos homens, São José, que guardou a fé em seu coração mesmo nas horas mais obscuras, intercede poderosamente.

Mais perigosos ainda são os inimigos internos: reunidos em sua fonte, a heresia modernista, síntese de todas as heresia, temos aqueles que, sob o pretexto de adaptação e modernidade, buscam diluir a doutrina imutável da fé, introduzindo erros e heresias no seio da própria Igreja. Contra estes lobos vestidos de cordeiros, que o grande Papa São Pio X denunciou com tanta veemência, São José oferece sua proteção especial.

Como guardião da pureza da Santíssima Virgem e do próprio Cristo, São José vela pela integridade da doutrina católica, preservando-a de toda contaminação herética. Como homem de silêncio e contemplação, ele nos ensina a escutar a voz da Tradição em meio ao clamor ensurdecedor da modernidade.

Finalizemos nossa meditação com uma nota de inabalável esperança. Por mais tenebrosas que pareçam as circunstâncias atuais, por mais que a barca de Pedro seja açoitada pelas tempestades deste século, a Igreja de Cristo jamais perecerá.

Nosso Senhor mesmo nos garantiu: “As portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mt XVI, 18). E para fortalecer esta promessa divina, Deus nos concedeu a proteção paternal de São José.

Como ensinou o grande Papa Pio XII: “A Igreja, oprimida por inimigos manifestos e ocultos, não confia tanto em recursos humanos quanto na proteção celestial, principalmente na ajuda de seu glorioso patrono, São José, a quem Deus confiou a guarda de seus tesouros mais preciosos.”

Por isso, meus caros, mesmo em meio à crise que atravessamos, mantenhamos firme nossa confiança. A Igreja triunfará, como sempre triunfou ao longo de dois milênios, sobre todas as perseguições e heresias. E os inimigos da fé, tanto externos quanto internos, serão confundidos e humilhados.

Como proclama o Salmista: “Os que semeiam em lágrimas, ceifarão com alegria” (Sl 125,5). E São José, que experimentou a angústia na fuga para o Egito e a alegria no retorno a Nazaré, nos conduzirá através desta noite escura até a aurora radiante do triunfo de Cristo e de Sua Igreja.

Roguemos, portanto, nesta festa solene, que São José estenda seu manto protetor sobre nossa Santa Madre Igreja, sobre o Romano Pontífice que será eleito pelo colégio de cardeais, sobre os bispos e sacerdotes, sobre os religiosos e fiéis. Que ele nos conceda a graça de perseverar na fé católica, na fidelidade à doutrina imutável e à liturgia sagrada que nos foi transmitida através dos séculos.

E assim como São José teve o indizível privilégio de morrer nos braços de Jesus e Maria, que ele nos alcance a graça de uma boa morte, para que possamos contemplar face a face Aquele a quem ele protegeu e amou na terra.

São José, Terror dos demônios, rogai por nós! São José, Protetor da Santa Igreja, rogai por nós!

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[Sermão] A fé que vence o mundo e o transforma pela caridade https://oantoniano.com/sermao-a-fe-que-vence-o-mundo-e-o-transforma-pela-caridade/ https://oantoniano.com/sermao-a-fe-que-vence-o-mundo-e-o-transforma-pela-caridade/#comments Sun, 27 Apr 2025 16:58:47 +0000 https://oantoniano.com/?p=140 Sermão para o Domingo in Albis, na Oitava da PáscoaPe. Marcos Vinicius Mattke, IBP Brasília-DF, 27 de abril de 2025 A.D. Caríssimos fiéis, Na oitava da Páscoa nossa Santa Romana Igreja propõe-nos um ensinamento fundamental através da Epístola do bem-aventurado Apóstolo São João: “Haec est victoria quae vincit mundum: fides nostra” — “Esta é a […]

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Sermão para o Domingo in Albis, na Oitava da Páscoa
Pe. Marcos Vinicius Mattke, IBP

Brasília-DF, 27 de abril de 2025 A.D.

Caríssimos fiéis,

Na oitava da Páscoa nossa Santa Romana Igreja propõe-nos um ensinamento fundamental através da Epístola do bem-aventurado Apóstolo São João: “Haec est victoria quae vincit mundum: fides nostra” — “Esta é a vitória que vence o mundo: a nossa fé”. Afirmação fundamental, meus caros, que ressoa através dos séculos anunciando não uma vitória passageira, como aquelas que os príncipes deste mundo tanto cobiçam, mas a vitória perene da fé sobre os inimigos de Deus.

Neste domingo no qual se prolonga o júbilo pascal, nossa Santa Madre Igreja nos impele a compreender o significado profundo da Ressurreição para nossa vida cristã: a fé em Cristo Ressuscitado é nossa vitória sobre o mundo!

Se a oitava da páscoa encerra-se hoje, podemos dizer que a missão da páscoa tem início. Assim como Cristo ressuscitado enviou seus Apóstolos, também nós que fomos regenerados pelas águas batismais e somos fortalecidos pelos sacramentos, somos enviados a um mundo apóstata que jaz nas sombras da incredulidade.

Contemplemos, meus caros, o simbolismo profundo deste dia! Durante a semana que passou, os recém-batizados usaram as vestes brancas, sinal visível de sua purificação interior. Hoje, ao depô-las, não abandonam a pureza recebida, mas assumem a responsabilidade de mantê-la imaculada em meio às provações do mundo. Da mesma forma, os cristãos de longa data são chamados neste domingo a renovar suas promessas batismais, a recordar que também eles foram um dia revestidos de Cristo e chamados a vencer o mundo pela fé.

Mas que significa, meus caros, vencer o mundo? Porventura devemos empunhar armas contra ele? Devemos, como tantos revolucionários através dos séculos, buscar uma transformação puramente exterior das estruturas sociais? Devemos, como os poderosos deste século, impor pela força uma ordem aparente que não transforma os corações? De modo algum!

O ilustre Doutor da Igreja, Santo Agostinho, gigante que conheceu profundamente tanto as seduções do mundo quanto a beleza da verdade divina, ensina-nos com admirável concisão: “Mundus vincitur non pugnando sed spernendo” — “O mundo é vencido não pelo confronto, mas pelo desprezo”. Palavras paradoxais para a mentalidade mundana, mas luminosas para o intelecto iluminado pela fé!

Não é pelo poder temporal, nem pela riqueza, nem pelos artifícios da eloquência humana que triunfamos sobre o mundo, mas pelo santo desprezo de suas vaidades e seduções. Este desprezo não é um sentimento negativo de ódio ou rancor, mas uma justa avaliação que coloca cada coisa em seu devido lugar: o eterno acima do temporal, o espiritual acima do material, o divino acima do humano.

Entendamos bem, contudo: desprezar o mundo não significa desprezar a criação divina, que é intrinsecamente boa e bela, mas sim rejeitar o espírito mundano que se opõe a Deus. É aquele espírito maligno que seduz as almas incautas com seus falsos esplendores, semelhantes àquelas pinturas barrocas onde o ouro falso reluz mais que o verdadeiro, onde a aparência suplanta a substância, onde o efêmero usurpa o lugar do eterno.

Consideremos, meus caros, o que ouvimos de São João em sua primeira epístola: “Não ameis o mundo, nem o que há no mundo. Se alguém ama o mundo, o amor do Pai não está nele; porque tudo o que há no mundo — a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida — não vem do Pai, mas do mundo. E o mundo passa, e a sua concupiscência; mas aquele que faz a vontade de Deus permanece eternamente.”

Eis aqui, caríssimos fiéis, a anatomia do espírito mundano: a concupiscência da carne, que busca os prazeres sensíveis desregrados; a concupiscência dos olhos, que cobiça os bens materiais e as aparências vistosas; e a soberba da vida, que exalta o homem acima de sua condição de criatura e o faz esquecer sua dependência de Deus. São estes os três inimigos que a fé deve vencer.

E como nós os vencemos? Pela mortificação que submete a carne ao espírito; pela pobreza de espírito que desprende o coração dos bens terrenos; e pela humildade que reconhece a supremacia absoluta de Deus. Estas são as armas da vitória cristã, armas que o mundo despreza por considerá-las fraqueza, mas que constituem nossa verdadeira força.

São Leão Magno nos questiona: “O que é ser inserido na dignidade do Corpo de Cristo senão renunciar às vaidades do mundo?” Eis, meus caros, o fundamento batismal de nossa vitória. Na água batismal morremos para o mundo e nascemos para Cristo. As vestes brancas que os recém-batizados depõem hoje simbolizam esta realidade espiritual: estamos revestidos de Cristo, e não mais da imundície do mundo.

É a fé que recebemos com a graça que nos transforma. Como ensina São Tomás de Aquino: “A fé é uma virtude pela qual acreditamos no que não vemos, e pela qual se inicia em nós a vida eterna, fazendo o intelecto assentir às realidades invisíveis”. Enquanto o mundo se agarra desesperadamente ao visível e tangível, nós, armados com o escudo da fé, contemplamos as realidades invisíveis e eternas.

Vejamos, caríssimos, o contraste entre esta sublime doutrina e o materialismo que hoje corrompe as almas! De um lado, a luz resplandecente da fé que nos eleva até os mistérios divinos; de outro, as trevas densas do mundo que aprisiona os homens no cárcere dos sentidos e das paixões. Enquanto o mundo pergunta com Pilatos: “Quid est veritas?“, nós proclamamos com São Tomé: “Dominus meus et Deus meus!

E, meus caros, quão atual é este contraste. Nunca como em nossos dias o materialismo se apresentou de forma tão sistemática e agressiva! Desde a filosofia que nega a existência da alma imortal, reduzindo o homem a um mero conjunto de reações químicas; passando pela economia que mede o valor de tudo pelo lucro que produz; até a política que promete um paraíso terrestre às custas da negação de Deus! Por toda parte, vemos as consequências funestas desta visão: o hedonismo que busca o prazer a qualquer preço; o consumismo que transforma o supérfluo em necessidade; o individualismo que destrói os laços familiares e sociais.

E qual nossa resposta a este assalto furioso do espírito mundano? É a fé que nos revela a verdadeira natureza do homem como imagem de Deus, destinado não a um efêmero bem-estar terreno, mas à bem-aventurança eterna. É a fé que nos mostra o valor inestimável da alma, pela qual Cristo derramou até a última gota de Seu Preciosíssimo Sangue. É a fé que proclama a primazia do espiritual sobre o material, do eterno sobre o temporal, do divino sobre o humano.

São Tomé, que duvidara, agora proclama sua fé ardente: “Meu Senhor e meu Deus!” Eis aí o grito triunfante da fé que vence o mundo e suas dúvidas! É este mesmo grito que devemos repetir diante das seduções e ameaças do espírito mundano, diante das falsas promessas de felicidade que nos oferece o príncipe deste mundo.

Mas não nos enganemos, meus caros. A fé que vence o mundo não é uma convicção árida e estéril, não é um mero conhecimento de algumas verdades. Tampouco é um sentimentalismo vago, uma emoção passageira que se infla e desinfla ao sabor das circunstâncias. É, antes, uma chama viva que inflama o coração e impele à ação. São Gregório Magno adverte-nos: “O amor de Deus nunca está ocioso. Se existe, realiza grandes obras; se recusa agir, não é amor”.

Assim como uma árvore se conhece por seus frutos, também a fé se conhece pelas obras que produz. Quão vã é aquela fé que se proclama com os lábios mas não transforma a vida! Quão inútil é aquela convicção que não se traduz em atos de virtude! Como diz o apóstolo São Tiago: “A fé sem obras está morta”.

Caríssimos, a verdadeira fé se manifesta sempre pela caridade operante. Assim como o fogo não pode existir sem calor e luz, também a fé não pode existir sem obras de caridade. E que obras são estas? Não são aquelas que o mundo encoraja e aplaude, como os sepulcros caiados que por fora aparecem formosos, mas interiormente estão cheios de podridão – não é a liberdade, tolerância, diversidade, inclusão. São, antes, aquelas obras que brotam do coração purificado, que têm como único fim a glória de Deus e a salvação das almas.

Santo Afonso Maria de Ligório, cujo coração ardia de amor por Deus e pelas almas, declara: “Quem ama a Jesus Cristo deseja que todos o amem”. Eis o fruto da caridade autêntica: não podemos contemplar com indiferença a ruína espiritual de nosso próximo.

Assim como um homem que descobrisse um tesouro inestimável não o guardaria egoisticamente para si, mas o compartilharia com seus entes queridos, assim também nós, tendo encontrado o tesouro da fé, devemos comunicá-lo aos outros com ardente zelo. Que espécie de amor seria aquele que, vendo o próximo caminhar para o abismo, não o advertisse do perigo? Que caridade seria aquela que, possuindo o remédio para a enfermidade mortal, não o oferecesse ao doente?

Eis, meus caros, a verdadeira natureza do zelo apostólico! Não é um fanatismo intolerante, como o acusam os inimigos da Igreja, mas o transbordamento natural de um coração que ama verdadeiramente. É a expressão mais elevada da caridade, pois não busca apenas o bem temporal do próximo — que é passageiro — mas seu bem eterno, que é infinitamente mais precioso.

Consideremos as palavras de Nosso Senhor: “Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se vier a perder a sua alma?” Eis o princípio que deve guiar nossa caridade! Não podemos nos contentar com o auxílio material, por mais necessário que seja. Devemos, sobretudo, oferecer-lhes o bem supremo que é a fé em Jesus Cristo.

E como transmitir esta fé? Primeiramente pelo exemplo de uma vida verdadeiramente católica. O mundo atual, meus caros, está saturado de palavras, mas faminto de exemplos. É o exemplo vivo de uma alma transformada pela fé que constitui o argumento mais eloquente em favor da verdade católica. Em segundo lugar, pela instrução paciente e caridosa. Quantas almas se perdem por simples ignorância das verdades da fé! É nosso dever esclarecê-las, com aquela pedagogia divina que adapta a mensagem à capacidade do ouvinte, sem jamais comprometer a integridade da verdade.

Mas como conciliar, meus caros, esta separação do mundo com nossa missão de transformá-lo? É aqui que a sabedoria católica revela sua divina origem, pois só ela sabe harmonizar aparentes contradições. São Francisco de Sales, resolve esta dificuldade com admirável clareza: “Devemos estar no mundo sem ser do mundo”.

Quão diferente, notemos caríssimos fiéis, é este ensinamento perene do espírito modernista que penetrou a sociedade católica e infiltrou-se nos próprios muros da Igreja. Este espírito nefasto não busca vencer o mundo pela fé, mas sim trair a fé para agradar ao mundo. Sob o pretexto de uma falsa caridade, de uma adaptação às circunstâncias modernas, sacrifica-se a verdade no altar do aggiornamento mundano. E que crueldade, meus caros, que refinada crueldade se esconde sob esta aparência de misericórdia. Pois não há maior traição a Cristo e às almas do que confirmar o homem em seus erros, favorecer seus vícios sob pretexto de compreensão, e assim pavimentar suavemente seu caminho para a condenação eterna! O pastor que, para não desagradar às ovelhas, permite que os lobos as devorem; o médico que, para não causar desconforto ao enfermo, deixa que a gangrena se alastre — estes não são ministros da caridade, mas cúmplices da morte! Assim também, o sacerdote ou prelado que silencia diante do erro para não confrontar o mundo, que dilui a doutrina para torná-la mais palatável ao gosto corrompido dos homens, comete a mais grave das traições: entrega as almas, pelas quais Cristo derramou seu preciosíssimo Sangue, às garras do pai da mentira.

Sim, caríssimos fiéis, estamos no mundo como embaixadores de Cristo, não para nos conformarmos com ele, mas para transformá-lo pela virtude sobrenatural da caridade. Não somos chamados a fugir para o meio do mato, como se a salvação consistisse numa fuga covarde. Somos chamados, antes, a santificá-lo, a consagrá-lo, a submetê-lo ao suave jugo de Cristo.

Esta é a grande missão do católico no mundo moderno! Ser fermento na massa, ser sal da terra, ser luz do mundo! E quanto mais densas são as trevas que nos rodeiam, mais deve resplandecer a luz de nossa fé! Quanto mais corrompida está a massa da sociedade, mais deve atuar o fermento de nossa caridade! Quanto mais insípida se torna a sociedade contemporânea, mais deve sazonar o sal de nossa esperança!

Consideremos o lema de São Pio X, de gloriosa memória: “Instaurare omnia in Christo, ut in omnibus sit Christus” — “Restaurar todas as coisas em Cristo, para que Cristo seja tudo em todos”. Este é o programa católico por excelência! Não se trata de uma adaptação pusilânime ao espírito do mundo, mas de uma conquista viril, de uma transfiguração sobrenatural das realidades temporais.

E como realizar esta restauração? Começando por nós mesmos, meus caros! Renovando nossa própria vida interior, fortalecendo nossa fé pela oração perseverante, pelos sacramentos frequentes, pelo estudo da doutrina católica. Depois, estendendo esta renovação à família, célula fundamental da sociedade, estabelecendo-a como um verdadeiro santuário doméstico onde Deus seja honrado, onde a virtude seja cultivada, onde a autoridade paterna seja respeitada como reflexo da autoridade divina. E finalmente, irradiando nossa influência a todas as esferas da vida social: a escola, a profissão, amizades, etc.

Consideremos, meus caros, o triunfo maravilhoso da Santa Romana Igreja através dos séculos! Enquanto os impérios se erguem e caem, enquanto as filosofias humanas florescem e murcham, enquanto as modas do mundo se sucedem numa dança macabra, a Igreja permanece inabalável, sustentada pela fé que vence o mundo. E esta mesma fé é oferecida a nós, não como um fardo pesado, mas como um jugo suave, como uma arma invencível contra as potestades das trevas.

Consideremos a história. Quando o Império Romano sucumbiu sob as invasões bárbaras, foi a Igreja que preservou a civilização, convertendo os invasores e transformando-os em construtores de uma nova ordem cristã. Quando o Islã ameaçou submeter a Europa a seu jugo, foi a fé católica que inspirou a reconquista heróica que salvou a cristandade. Quando o protestantismo dilacerou a unidade da Igreja no Ocidente, foi o espírito católico que cristianizou a América e produziu a verdadeira reforma, manifestada nos grandes santos do século XVI. E assim será sempre! A Santa Igreja Católica, fundada sobre a rocha que é Pedro, jamais será vencida pelas portas do inferno, porque é sustentada pela fé que vence o mundo.

Caríssimos fiéis, ao concluir este sermão, exorto os senhores renovemos hoje, neste Domingo in Albis, nossa fé batismal! Rejeitemos com santo desprezo as pompas e vaidades do mundo! Inflamemos nossos corações com a caridade que não conhece limites! E assim armados, preparamo-nos para a conquista espiritual do mundo, não para nos submetermos a ele, mas para transformá-lo pela virtude de Cristo!

Vivemos, meus caros, em tempos de apostasia generalizada, em que muitos católicos, deslumbrados pelos falsos esplendores do mundo, envergonham-se de Cristo e de sua doutrina imutável. Como Adão no Paraíso, escondem-se ao ouvir a voz de Deus; como Pedro no átrio do sumo sacerdote, negam conhecer o Mestre; como os discípulos de Emaús, afastam-se de Jerusalém com o coração entristecido porque suas esperanças mundanas foram frustradas.

A estes, o Divino Ressuscitado dirige hoje as mesmas palavras que dirigiu a Tomé: “Não sejais incrédulo, mas fiel!” A fé, caríssimos fiéis, é o maior dom que Deus nos concedeu, mais precioso que a própria vida natural, pois nos abre as portas da vida eterna. Guardemo-la como nosso tesouro mais valioso! Defendamo-la contra os ataques de um mundo que a odeia! Transmitamo-la integralmente, sem comprometimento e sem medo, aos nossos filhos como a mais preciosa herança!

E não nos deixemos seduzir por aqueles que, pretendendo “atualizar” a fé para torná-la mais aceitável ao mundo, na verdade a mutilam e deformam! A fé católica, meus caros, não é um traje que se possa modificar ao sabor das modas efêmeras; é a túnica inconsútil de Cristo, que deve permanecer intacta através dos séculos, até a consumação dos tempos.

Recordemos as vestes brancas do Batismo, símbolo de pureza e inocência. Seu significado espiritual deve permanecer em nossas almas por toda a eternidade. Que nossa fé seja sempre pura como o linho alvo, nossa caridade ardente como o a chama do círio pascal, nossa esperança firme como a pedra angular que é Cristo!

E para aqueles, que talvez tenham manchado a veste batismal pelos pecados cometidos após recebê-la, recordem que a misericórdia divina lhes oferece, no sacramento da Penitência, um segundo batismo — o batismo das lágrimas — pelo qual podem recuperar a graça perdida. Não hesitem em recorrer a este sacramento da misericórdia divina, onde o Bom Pastor aguarda a ovelha desgarrada para carregá-la novamente em seus ombros.

Recorramos, enfim, a Santíssima Virgem Maria, Rainha das Dores e das Vitórias, para que nos obtenha de seu divino Filho a graça de perseverarmos na fé que vence o mundo. Sigamos seu exemplo luminoso de fidelidade incondicional, desde a Anunciação até o Calvário, desde o Cenáculo até a Assunção. Ela, a Mulher forte que esmagou a cabeça da serpente, nos ensinará a vencer o mundo pela fé.

E assim, meus caros, quando terminar nossa peregrinação terrena, quando depusermos a veste mortal para receber a veste gloriosa da ressurreição, possamos contemplar face a face aquele em quem acreditamos sem ver, amamos sem possuir plenamente, e seguimos sem compreender totalmente. Então compreenderemos plenamente o valor da fé que durante a vida terrena nos sustentou nas provações, nos consolou nas tristezas, e finalmente nos conduziu à pátria celeste.

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Sermão para o Domingo da Páscoa do Senhor
Pe. Marcos Vinicius Mattke, IBP

Brasília-DF, 20 de abril de 2025 A.D.

Caríssimos fiéis,

Hoje, Domingo, 20 de abril do ano da graça de 2025, como no mesmo dia da ressurreição, Jesus Cristo, triunfa sobre seus inimigos; ele detém uma vitória sem eclipse possível. Aquele triunfo não foi um triunfo efêmero, não foi uma vitória passageira, mas um acontecimento de repercussões eternas.

Contemplemos, meus caros, a majestade do Cristo ressuscitado. Aquele mesmo que pendia da cruz, escarnecido, humilhado, abandonado, agora ressurge do sepulcro com poder e glória. São Gregório nos ensina que esta vitória supera qualquer triunfo terreno, pois enquanto os triunfos mundanos perecem com seus autores, a vitória de Cristo permanece eternamente.

Esta vitória iniciada em Sua divina pessoa se perpetua em Sua pessoa mística, nossa Santa Madre Igreja. Não é uma realidade isolada no tempo, confinada ao sepulcro vazio de Jerusalém, mas um mistério que atravessa os séculos. Cada dia podemos dizer que ressuscita Cristo em seus membros, para sempre vitorioso sobre todos os seus inimigos.

Meus caros, como ensina São Bernardo, Cristo está presente em cada membro de seu corpo místico, de modo que sua vitória se atualiza em cada cristão que vence a tentação, em cada mártir que permanece fiel, em cada alma que persevera na graça.

Caríssimos, esta vitória não permanece distante como um fato histórico empoeirado, mas atualiza-se em cada Santo Sacrifício da Missa, onde Cristo vitorioso renova, de modo incruento, o seu sacrifício redentor, fazendo-se realmente presente na hóstia e no cálice com seu corpo glorioso, tornando presente sobre o altar o triunfo da ressurreição.

Jesus triunfa primeiramente dos inimigos que o conduziram à cruz. Observem, caríssimos fiéis, a divina ironia presente neste mistério: Cristo não apenas neutraliza as intrigas de seus opositores, mas serve-se do próprio ódio dos inimigos para a realização dos seus eternos desígnios. Que admirável plano redentor! Como nos ensina São Bernardo, as mesmas mãos que tramaram sua morte tornaram-se, sem o saber, instrumentos de salvação para o mundo inteiro. Os soldados que guardavam seu túmulo transformaram-se, pela divina Providência, nas primeiras testemunhas públicas da sua ressurreição.

Cristo triunfou também da incredulidade do mundo, daquele espírito mundano que se opõe sistematicamente a Deus. A prova suprema desta vitória é que aqueles que antes eram pagãos, agora professam a fé naquele que foi crucificado. Os que antes o desprezavam, agora estão dispostos a morrer por seu nome. Meus caros, admiremos este paradoxo: pela Cruz, escândalo para os judeus e loucura para os gentios, Cristo conquistou o próprio mundo que o rejeitava. “A pedra que os construtores rejeitaram tornou-se a pedra angular”, como profetizava o Salmista.

Mais profundamente ainda, Cristo desmascarou o mundo e lhe arrebatou os seus até então amantes. Desvelou a falsa sabedoria mundana, a falsa segurança, a falsa glória que o mundo oferece. A Cruz revela-se assim como loucura para os que se perdem, mas poder de Deus para os que se salvam.

Por isso mesmo, caríssimos, está escrito: “Perderei a sabedoria dos sábios e reprovarei a prudência dos prudentes.” Onde está o sábio? Onde está o escriba? Onde está o investigador deste século? Por acaso Deus não tornou estulta a sabedoria deste mundo?

Cristo ressuscitou não apenas para si mesmo, mas para incorporar ao seu Corpo místico todos os cristãos. Neste aspecto, meus caros, encontramos o sentido da ressurreição para a própria Igreja. Cristo é a cabeça, nós somos os membros; sua vitória é nossa vitória; sua ressurreição é o penhor da nossa.

Vivificados com esta vida sobrenatural em Cristo, perpetuamos em cada geração a vitória de Cristo sobre o mundo. Não estamos, portanto, abandonados na luta contra as forças mundanas, mas sustentados pela força do Ressuscitado. O próprio Cristo disse aos seus discípulos: “tende confiança, eu venci o mundo.” Esta vitória não foi um acontecimento isolado da história, mas é uma realidade permanente. É ele mesmo quem continua vencendo o mundo em nós e por meio de nós, seus membros.

Meus caros, quando resistem às seduções do século, quando se mantêm fiéis em meio à apostasia generalizada, quando testemunham a verdade em um mundo de mentiras, é o próprio Cristo quem continua sua vitória nos cristãos.

Nosso Senhor Jesus Cristo, próximo já da sua dolorosa Paixão, proclamou sua vitória definitiva sobre o demônio. Suas palavras ressoam através dos séculos: “Agora é o juízo deste mundo; agora o príncipe deste mundo será lançado para fora.”

Esta vitória sobre o antigo adversário não foi uma conquista repentina, mas o culminar de uma batalha que se iniciou no deserto, quando Cristo rejeitou as tentações diabólicas. Continuou-se através de toda sua vida pública com a libertação dos possessos e a expulsão dos espíritos malignos. Finalmente, consumou-se de maneira definitiva com a morte e a ressurreição.

São Paulo Apóstolo, com a força e o vigor característicos de suas expressões epistolares, nos descreve este triunfo em termos que evocam um triunfo militar romano: “E despojando os principados e potestades, expôs-os publicamente à vergonha, triunfando deles na cruz.”

Considerem, caríssimos fiéis, a magnitude desta vitória! Aquelas mesmas forças infernais que haviam subjugado a humanidade desde a queda original, aqueles poderes das trevas que pareciam invencíveis, foram definitiva e publicamente derrotados por Cristo na cruz.

A partir da ressurreição, o demônio, outrora príncipe deste mundo, carece de força real. Santo Agostinho muito piedosamente zomba do demônio dizendo que ele está agora como um cão atado, que não pode fazer mal senão àquele que temerariamente se aproxima de suas presas.

Meus caros, isto não significa que o demônio tenha cessado de tentar os homens. Ao contrário, sua raiva aumentou precisamente por ver-se derrotado. Como nos adverte o Apóstolo Pedro, “anda ao redor como leão rugiente, buscando a quem devorar.” Contudo, seu poder está fundamentalmente quebrado, suas pretensões desmascaradas, sua derrota selada. E é tanto mais raivoso quanto mais é constantemente humilhado pelas suas próprias tentativas de sabotar a redenção, pois Deus, em sua infinita sabedoria, sempre se serve das ações do maligno para tirar um bem maior, transformando cada derrota aparente da graça em triunfo mais esplendoroso.

Pela vitória da ressurreição, que também é nossa por pertencermos ao Corpo Místico de Cristo, nós podemos agora zombar e humilhar o demônio. Sim, caríssimos fiéis, aquele que outrora zombava do homem caído, aquele que se vangloriava de sua vitória sobre a humanidade, agora é objeto de escárnio para os redimidos! E que poderias fazer agora, ó antigo serpente? Que nova trama poderias urdir que não se converta em maior glória para Cristo? Que tentação poderias lançar que não se transforme em ocasião de mérito para os fiéis? Que perseguição poderias instigar que não produza novos mártires para o céu? Em tua cegueira obstinada, não percebes que cada golpe que desferias contra a Santa Igreja de Deus torna-a mais forte, cada sofrimento que infliges aos cristãos os purifica, cada mentira que espalhas faz brilhar mais claramente a verdade?

Por admirável disposição divina, as tentações com que o demônio ainda ataca ao homem vêm a constituir-se na melhor ocasião de mérito e triunfo sobre ele. Contemplemos aqui a sabedoria de Deus, que transforma o próprio instrumento do mal em oportunidade de bem! Afinal, a tentação, enfrentada com a graça de Cristo, torna-se meio de santificação. O cristão que resiste ao tentador não só preserva sua alma, mas cresce em mérito e virtude. Assim, caríssimos fiéis, até o antigo inimigo serve, sem o querer, aos desígnios de Deus. Como ensina magnificamente Frei Afonso de Cabrera, o homem que triunfa na tentação recebe uma dupla coroa: não só é vitorioso por nossa Cabeça, Cristo, mas também por sua própria luta pessoal. Que mistério admirável da economia salvífica!

São Paulo, o Apóstolo das Gentes, descreve com expressões de extraordinária vivacidade o que ocorreu com todos os nossos pecados mediante o sacrifício de Cristo: “E a vós, que estáveis mortos por vossos delitos e pelo prepúcio de vossa carne, vos vivificou com ele, perdoando-vos todos os vossos delitos.” Mais ainda, Cristo apagou “o título de dívida que nos era contrário”, aquele documento que atestava nossa condenação, aquela cédula que o demônio, o acusador, exibia contra nós. E não apenas a apagou, mas a “tirou do meio, cravando-a na cruz.”

Pela cruz de Cristo cumpriu-se admiravelmente a profecia de Miquéias, que anunciava a incomparável misericórdia divina: “Que Deus há como tu, que perdoas a maldade e olvidas o pecado do resto de tua herança?” Este Deus de misericórdia “não persiste para sempre em sua ira, porque ama a misericórdia” e, como prossegue o profeta, “voltará a ter piedade de nós, conculcará nossas iniquidades e jogará ao fundo do mar todos os nossos pecados.”

Meus caros, o pecado e o demônio são comparados na Escritura ao cavalo e ao cavaleiro, que juntos cavalgavam livremente pelo mundo antes da redenção. Cristo, ao vencer o pecado na cruz, derrubou simultaneamente o cavalo e o cavaleiro que o montava. A vitória sobre o pecado é assim inseparável da vitória sobre o demônio. Esta imagem nos remete ao sublime Cântico de Moisés, cantado na Vigília Pascal, que celebra a vitória de Deus sobre o Faraó e seu exército nas águas do Mar Vermelho: “Cantemus Domino, gloriose enim magnificatus est; equum et ascensorem dejecit in mare” – “Cantemos ao Senhor, porque gloriosamente se engrandeceu; lançou no mar o cavalo e o seu cavaleiro.” Este antigo cântico prefigura admiravelmente o triunfo definitivo de Cristo, que na ressurreição não apenas afogou o pecado nas águas do batismo, mas também lançou nas profundezas o demônio, cavaleiro soberbo que julgava dominar eternamente a humanidade caída. Caríssimos, observemos como se entrelaçam as vitórias de Cristo! Uma implica a outra, uma complementa a outra. É uma vitória total, integral, sobre todas as forças que se opunham à salvação humana.

A morte, esse inimigo implacável do homem desde o pecado original, foi também derrotada por Cristo no Calvário. Como diz São Paulo, “o último inimigo a ser destruído é a morte.” E Cristo a venceu, não evitando-a, mas atravessando-a e emergindo triunfante do outro lado. A porta aberta do sepulcro glorioso do Redentor constituiu a prova palpável desta derrota. O túmulo vazio proclama, com eloquência mais poderosa que qualquer palavra humana, que a morte foi definitivamente vencida.

A morte parecia ter triunfado nas trevas da tarde da Sexta-feira Santa. O Autor da Vida jazia sem vida, depositado em um sepulcro emprestado. O silêncio pesado do sábado parecia confirmar a vitória da morte. Mas hoje, na radiante manhã da Ressurreição, tudo se transforma! Podemos exclamar com o Apóstolo, em um grito triunfal que ressoa através dos séculos: “A morte foi absorvida pela vitória. Onde está, ó morte, a tua vitória? Onde está, ó morte, o teu aguilhão?”

Meus caros, a liturgia pascal proclama esta vitória em termos de extraordinária beleza. No Prefácio Pascal cantamos que Cristo “morrendo destruiu nossa morte, ressuscitando restaurou nossa vida.” Admirem o paradoxo divino: a morte vencida pela morte, a vida restaurada pela vida! A liturgia nos convida a contemplar este admirável duelo: “A morte e a vida se enfrentaram em combate singular. O Rei da vida, que havia morrido, reina agora vivo!”

E não apenas Cristo triunfou da morte, mas nós também, membros de seu Corpo místico, participamos deste triunfo. É verdade que ainda estamos sujeitos à morte física, este inimigo ainda nos submete temporariamente ao seu império, mas sua vitória é apenas aparente e transitória.

Em Cristo ressuscitado e em sua presença gloriosa no céu temos já a prenda, o penhor seguro, a garantia infalível de nossa futura ressurreição. Como nos ensina o Apóstolo: “Cristo, primícia dos que dormem, ressuscitou dentre os mortos. Porque, assim como por um homem veio a morte, assim por um homem veio a ressurreição.” Para o cristão, a morte já não é o fim aterrador, a destruição definitiva, o abismo insondável que era antes da ressurreição. Transformou-se, pelo triunfo de Cristo, na porta de entrada à vida verdadeira, na passagem da peregrinação ao lar definitivo, do exílio à pátria.

A morte perdeu, assim, seu caráter de jugo de servidão. Já não é o tirano implacável que era, mas o servo que introduz o cristão à presença de seu Senhor. Como diz belamente o autor da Carta aos Hebreus, Cristo veio para “libertar a todos aqueles que, pelo temor da morte, estavam sujeitos à servidão durante toda a vida.”

Cristo, com sua morte redentora, fechou o seio de Abraão — aquele lugar onde as almas justas do Antigo Testamento aguardavam a redenção — e deu liberdade a todas estas almas para que entrassem no gozo da glória celestial. Imaginemos, caríssimos fiéis, aquele momento glorioso em que Cristo, penetrando nas regiões inferiores, proclamou a libertação aos cativos! Os patriarcas, os profetas, todos os justos que haviam esperado durante séculos, viram finalmente cumprida a promessa de salvação.

Não apenas os justos puderam desfilar rumo à bem-aventurança, mas o próprio inferno viu, impotente, Cristo arrancar-lhe a presa que julgava sua por direito. Aquelas almas que o inimigo considerava definitivamente suas foram libertadas pelo poder do Redentor.

Que espetáculo grandioso deve ter sido, meus caros, ver o Senhor da Glória descer às profundezas, não como vítima, mas como vencedor, não como prisioneiro, mas como libertador! Os portões do inferno, que se julgavam inexpugnáveis, cederam ante a majestade do Rei dos reis.

A redenção operada por Cristo é suficiente, em sua infinita eficácia, para que todos os homens possam aproveitar-se dela e não caiam no lugar da condenação. Ninguém está excluído, por princípio, desta oferta universal de salvação. Caríssimos fiéis, que mistério admirável de amor e justiça! Cristo não salva automaticamente a todos, respeitando a liberdade humana, mas oferece a todos os meios necessários para a salvação. O inferno continua existindo, mas já não como uma fatalidade inescapável, senão como a trágica possibilidade para aqueles que, livremente em sua insanidade, rejeitam a graça.

Meus caros, não nos esqueçamos: Cristo triunfou do mundo e de sua sabedoria enganosa; venceu o demônio e seus poderes; derrotou o pecado e suas consequências; subjugou a morte e seu império; despovoou o inferno de suas presas legítimas.

Que conjunto admirável de vitórias! Nenhuma delas isolada, todas interconectadas, todas constituindo um único e grandioso triunfo da ressurreição. Cristo é, verdadeiramente, o Vencedor absoluto, o Conquistador definitivo, o Rei vitorioso a quem toda glória, honra e poder pertencem pelos séculos dos séculos.

E caríssimos, estas vitórias de Cristo não são apenas para sua glória pessoal, mas pertencem a todo o seu Corpo místico. Nós, membros deste Corpo, participamos já destas vitórias e as atualizamos em nossa própria vida católica. Quando resistem à tentação, triunfam sobre o demônio com Cristo; quando se arrependem e obtêm o perdão, vencem o pecado com Cristo; quando suportam com fé as tribulações, superam o mundo com Cristo; quando enfrentam serenamente a perspectiva da morte, antecipam a vitória final com Cristo.

Aproximemo-nos, pois, do altar onde se renova incruentamente o sacrifício redentor, conscientes de que participamos já da vitória de Cristo sobre todos os seus inimigos. Que a Sagrada Comunhão que hoje recebemos fortaleça em nós a vida divina e nos confirme como membros vivos do Cristo vitorioso.

Que a Virgem das Dores que é a Virgem da Glória, primeiro testemunho da ressurreição de seu Filho, aquela que jamais duvidou do triunfo definitivo mesmo na hora tenebrosa do Calvário, nos acompanhe neste tempo pascal e nos ensine a viver como ressuscitados.

Meus caros, Cristo ressuscitou verdadeiramente! Este é o grito de júbilo que ressoa hoje em toda a Santa Romana Igreja. Que este anúncio pascal renove nossa esperança, fortaleça nossa fé e inflame nossa caridade. Que o Espírito do Ressuscitado habite em nós, para que vivamos já desde agora como cidadãos do céu, enquanto esperamos a bem-aventurada esperança e a manifestação gloriosa de nosso grande Deus e Salvador Jesus Cristo. Surrexit Dominus vere, alleluia!


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[Artigo] O mistério do sagrado Tríduo (Parte 3): Sábado Santo e a liturgia do Sepulcro https://oantoniano.com/artigo-o-misterio-do-sagrado-triduo-parte-3-sabado-santo-e-a-liturgia-do-sepulcro/ https://oantoniano.com/artigo-o-misterio-do-sagrado-triduo-parte-3-sabado-santo-e-a-liturgia-do-sepulcro/#comments Sat, 19 Apr 2025 01:51:36 +0000 https://oantoniano.com/?p=133 Pe. Marcos Vinicius Mattke, IBP Introdução O Sábado Santo é o dia de silêncio litúrgico por excelência no ciclo anual da Santa Romana Igreja. É o dia do repouso do Senhor no sepulcro, o grande Sábado, o “Sabbatum Sanctum” do rito romano tradicional. Neste dia, nossa Santa Madre Igreja vela junto ao Santo Sepulcro, unindo-se […]

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Pe. Marcos Vinicius Mattke, IBP

Introdução

O Sábado Santo é o dia de silêncio litúrgico por excelência no ciclo anual da Santa Romana Igreja. É o dia do repouso do Senhor no sepulcro, o grande Sábado, o “Sabbatum Sanctum” do rito romano tradicional. Neste dia, nossa Santa Madre Igreja vela junto ao Santo Sepulcro, unindo-se à Virgem Maria que, em sua fé inquebrantável, esperava a ressurreição de seu Filho. Diferentemente dos apóstolos que estavam dispersos e temerosos, a Igreja mantém a vigília silenciosa, guardando a esperança da Ressurreição.

O ofício de trevas: matinas e laudes

O Ofício da Noite do Sábado Santo apresenta uma continuidade com os dias anteriores do Tríduo Sagrado, conservando a estrutura peculiar destes dias santos. Os salmos são recitados sem antífonas, os versículos sem respostas, as lições sem bênçãos e sem o “Tu autem”, o “Gloria Patri” é continua sendo omitido e as velas são apagadas progressivamente no candelabro triangular.

Primeiro noturno

Logo no início do primeiro noturno, notamos a gradual transição espiritual conduzida pela Santa Igreja: do luto fúnebre à esperança da ressurreição. O primeiro salmo (Sl. IV) utilizado no Ofício de Completas diariamente, nos recorda o repouso confiante de Cristo no sepulcro: “In pace in idipsum dormiam et requiescam”, “na paz me deitarei e repousarei”. Não é um repouso de derrota, mas de confiança absoluta no desígnio do Pai.

O segundo salmo (Sl. XIV) celebra o descanso reservado ao homem justo. A Igreja o aplica a Cristo, o Justo por excelência, que “passou fazendo o bem” e agora repousa das obras de sua vida terrena.

O terceiro salmo (Sl. XV), composto por Davi durante seu exílio, é uma profecia explícita da ressurreição do Messias. São Pedro o citará no dia de Pentecostes para demonstrar aos judeus que já estava profetizado que o corpo do Messias não conheceria a corrupção no sepulcro.

Segundo noturno

No segundo noturno, o quarto salmo (Sl. XXIII) já anuncia a entrada triunfal que o Filho de Deus fará no céu após despertar do sono da morte: “Elevai, ó portas, os vossos frontões, e erguei-vos, ó pórticos eternos, para que entre o Rei da glória!”

O quinto salmo (Sl. XXVI), que a Igreja cantou na véspera para expressar o sentimento de confiança que não abandonou o Messias durante as provas de sua Paixão, retorna hoje para anunciar sua próxima libertação. A Igreja não escolhe para antífona o versículo onde Cristo lamenta as falsas testemunhas que depuseram contra Ele; ela insiste naquele onde Ele mostra a esperança de logo chegar à “terra dos viventes”.

O sexto salmo (Sl. XXIX) anuncia que o divino prisioneiro da morte não tardará a sair dos lugares sombrios. O Profeta mostra o luto prolongando-se ainda até a tarde, e a alegria que deve irromper pela manhã.

Terceiro noturno

O sétimo salmo (Sl. LIII) que a Igreja cantava ontem, pensando nas pérfidas perseguições dos judeus contra o Messias, retorna hoje para anunciar que o triunfo do Filho de Davi não tardará, porque Deus tomou em suas mãos a sua causa.

O oitavo salmo (Sl. LXXV) foi empregado pela Igreja na Quinta-feira Santa; expressava a iminente vingança de Deus sobre os inimigos de seu Filho. Reaparece hoje, mostrando-nos o Messias adormecido em paz em Sião. Dentro em pouco Ele sairá do túmulo. Ao despertar, seus adversários, que acreditavam tê-lo em seu poder, acharão suas mãos vazias.

O nono salmo (Sl. LXXXVII), que ontem fazia parte do Ofício da noite, é novamente empregado hoje. Nele ouvimos Cristo pedir a seu Pai que se digne retirá-lo de entre os mortos: “Como um homem sem socorro, livre entre os mortos.”

Laudes

Em laudes, a Igreja mantém o clima de expectativa e de luto contido, que se aproxima gradualmente da esperança. O primeiro salmo é o Miserere (Sl. L).

O segundo salmo (Sl. XCI), indicado por seu título no saltério como devendo ser cantado no dia do sábado, celebra a magnificência do Senhor em suas obras, a vaidade dos desígnios dos pecadores, o triunfo assegurado do justo por excelência, e a bem-aventurada esperança dos que o seguem.

O terceiro salmo (Sl. XLIII) é aquele mesmo do qual Santo Agostinho nos dá, em nome da Igreja, o comentário oficial nas lições do segundo noturno, nestes dias de Sexta-feira e Sábado Santos.

O cântico de Ezequias, que a Igreja emprega na terça-feira em laudes, é substituído hoje pelo do Deuteronômio, que é próprio do dia de sábado. O profeta Ezequias implorando a Deus, em seu leito, o retorno à vida, é o tipo de Cristo no túmulo, suplicando a seu Pai para devolvê-lo rapidamente à luz do dia.

O último salmo (Sl. CL) do ofício de laudes é também o último do Saltério, resumindo no louvor a última palavra de todas as coisas.

A manhã do grande Sábado

A noite passou sobre o sepulcro onde repousa o corpo do Homem-Deus. Mas se a morte triunfa no fundo desta gruta silenciosa, se ela mantém em seus laços aquele que dá a vida a todos os seres, seu triunfo será breve. Os soldados podem vigiar a entrada do túmulo que não reterão o divino prisioneiro quando ele resplandecer em seu triunfo. Os santos Anjos adoram, com profundo respeito, o corpo inanimado daquele cujo sangue vai “pacificar o céu e a terra”.

Este corpo separado da alma por um curto intervalo permaneceu unido ao Verbo divino; a alma que cessou um momento de animá-lo, também não perdeu sua união com a pessoa divina do Verbo. A divindade permanece unida mesmo ao sangue derramado no Calvário, e que deve reentrar nas veias do Homem-Deus, no momento de sua iminente ressurreição.

A Vigília Pascal

A Vigília Pascal representa o ponto culminante do ano litúrgico. É a “Mãe de todas as Vigílias sagradas”, como a chamava Santo Agostinho. Nesta noite santa, a Igreja celebra a passagem de Cristo das trevas da morte à luz da ressurreição, e esta passagem (Páscoa) se torna também a de todos os fiéis, particularmente dos catecúmenos que, pelo batismo, passam das trevas do pecado à luz da graça.

A celebração desta grande vigília segue um padrão grandioso e solene, dividido em partes distintas que se complementam maravilhosamente: primeiro, a bênção do fogo novo e do círio pascal com o Precônio Pascal; em seguida, a leitura das doze profecias; depois, a bênção da água batismal e a administração do batismo; por fim, a Missa Pascal, primeira celebração do Santo Sacrifício no tempo pascal.

Esta estrutura remonta aos primeiros séculos da Igreja. Originalmente, a vigília durava toda a noite, desde o entardecer do sábado até a aurora do domingo, quando se celebrava a Missa da Ressurreição. É uma liturgia riquíssima que expressa de modo admirável o mistério da redenção.

A bênção do Fogo Novo e dos grãos de incenso

De toda antiguidade, o dia de hoje transcorria sem o oferecimento do divino Sacrifício. A Santa Igreja não o celebrava porque a sepultura de Cristo é a continuação de sua Paixão, e enquanto seu corpo repousa inanimado no túmulo, não convém renovar o divino mistério no qual ele é oferecido glorioso e ressuscitado.

A primeira parte da solene vigília é a bênção do fogo novo e do incenso. Este fogo representa Cristo, e o incenso representa os perfumes que Santa Maria Madalena e as outras santas mulheres prepararam para embalsamar o corpo do Redentor. O incenso está em cinco grãos ou lágrimas, simbolizando as cinco chagas gloriosas de Cristo.

O celebrante e seu cortejo saem da Igreja para se dirigir ao lugar onde está a credência, junto da qual está a fogueira. Esta saída representa que o sepulcro de Cristo, o lugar de onde Ele deve ressuscitar, está situado fora das portas de Jerusalém.

Os ministros, chegando diante destes símbolos, benze primeiramente o fogo com estas palavras: “Ó Deus que por vosso Filho, pedra angular, comunicastes aos fiéis o fogo de vossa luz, santificai este fogo novo tirado da pedra para nosso uso, e concedei-nos que sejamos de tal modo inflamados com desejos celestes durante estas festas pascais, que possamos com pureza de coração chegar às festas da luz eterna.”

Após benzer o fogo, o Bispo benze o incenso, dizendo: “Que a abundância de vossa bênção desça sobre este incenso, e vós, que sois o regenerador invisível, dignai-vos acender esta luz noturna, para que não só o sacrifício que é oferecido esta noite brilhe pela secreta infusão de vossa luz, mas também, em qualquer lugar onde for levado algo deste mistério de santificação, sejam expulsos os enganos da malícia diabólica, e esteja presente o poder de vossa majestade.”

Após estas orações, um Acólito coloca no turíbulo alguns carvões do fogo bento. O padre, tendo lançado incenso sobre estes carvões, incensa o fogo e os grãos de incenso , após tê-los primeiro aspergido com água benta. Um outro Acólito acende uma vela com os carvões do fogo novo; é por esta vela que deve introduzir na Igreja a luz nova.

O Círio Pascal

O círio pascal, em sua majestosa simbologia, representa o próprio Cristo ressuscitado. Seu porte monumental, superior em tamanho e em peso a todos os outros círios usados durante o ano litúrgico, expressa a grandeza e a centralidade do Mistério da Ressurreição. Este círio único, modelado como uma coluna, evoca ainda a coluna de fogo que guiou Israel na travessia do deserto.

Antes de ser aceso, ele simboliza o corpo de Cristo no sepulcro; depois, representa o Cristo resplandecente na glória de sua Ressurreição. Esta dupla significação é ressaltada durante toda a cerimônia, que culmina quando o diácono, revestido com a dalmática branca, leva a serpentina (a vela tripla) pela nave da igreja.

O caniço com três velas em sua extremidade representa a Santíssima Trindade. À medida que a procissão avança para o altar, o diácono se detém por três vezes, ajoelha-se e canta em voz cada vez mais alta: “Lumen Christi” (Luz de Cristo), ao que o povo responde: “Deo gratias” (Graças a Deus). A cada vez, uma das três velas é acesa, simbolizando como o conhecimento da Santíssima Trindade nos vem por Cristo, Luz do mundo. Primeiramente é proclamada a divindade do Pai, depois a do Filho, e por fim, a do Espírito Santo.

Chegando ao presbitério, o diácono prepara-se para cantar o Precônio pascal, o solene anúncio da Páscoa. O círio pascal é então colocado em um grande candelabro, ornado e preparado com antecedência, para que possa brilhar durante toda a Vigília.

O canto do Exsultet

O Exsultet, também conhecido como “Præconium Paschale” (Anúncio Pascal), é uma das mais sublimes composições da liturgia católica. Este hino, atribuído a Santo Agostinho e a São Ambrósio é cantado pelo diácono enquanto abençoa o Círio Pascal.

O diácono, antes de começar este solene canto, pede a bênção do celebrante, dizendo: “Jube, domne, benedicere” (Senhor, dignai-vos abençoar-me). O celebrante responde: “Dominus sit in corde tuo et in labiis tuis, ut digne et competenter annunties suum paschale præconium” (O Senhor esteja em teu coração e em teus lábios, para que digna e competentemente anuncies seu pregão pascal).

O Exsultet começa com um convite à exultação: “Exsultet jam angelica turba caelorum: exsultent divina mysteria: et pro tanti Regis victoria, tuba insonet salutaris” (Exulte já a turba dos anjos no céu: exultem os divinos mistérios: e pela vitória de tão grande Rei, ressoe a trombeta da salvação). Em seguida, o diácono convida a terra a se alegrar e a Igreja a se adornar com os raios de tão grande luz, a se encher de júbilo pela conversão dos povos.

O canto prossegue com um solene prefácio consecratório, convocando todos os presentes a elevarem seus corações a Deus (Sursum corda), agradecendo ao Pai onipotente pela vitória de seu Divino Filho.

No meio do Exsultet, o diácono interrompe seu canto para fixar os cinco grãos de incenso no círio pascal. Estes cinco grãos, dispostos em forma de cruz, representam as cinco chagas gloriosas de Cristo Ressuscitado. O diácono as fixa e em seguida acendo o círio com o fogo novo dizendo: “Portanto, pela graça desta noite, aceita, santo Pai, o sacrifício vespertino deste incenso: que a Igreja sacrossanta te oferece solenemente nesta oblação do Círio, pelas mãos dos ministros, a partir do trabalho das abelhas. Mas já conhecemos os louvores desta coluna, que o fogo brilhante acendeu em honra a Deus”.

A parte central do Exsultet é uma sublime reflexão teológica sobre o mistério da queda e da redenção. Contém a famosa exclamação: “O felix culpa, quae talem ac tantum meruit habere Redemptorem!” (Ó feliz culpa, que mereceu tal e tão grande Redentor!). Esta expressão, longe de glorificar o pecado, celebra a infinita misericórdia divina, que transformou a tragédia do pecado em ocasião de uma redenção ainda mais maravilhosa.

O Exsultet exalta a noite santa, “que conheceu a hora em que Cristo ressuscitou dos mortos”, e que é “a noite da qual está escrito: a noite será iluminada como o dia, e a noite será a minha luz nas minhas delícias”.

Este magnífico hino termina com uma súplica para que Deus aceite o sacrifício do círio pascal, para que ele continue a brilhar para dissipar as trevas da noite, e para que a estrela da manhã o encontre ainda aceso – “aquela estrela da manhã que não conhece ocaso, Cristo, vosso Filho, que voltando do abismo, brilhou sereno para o gênero humano”.

O Exsultet constitui, assim, um verdadeiro compêndio teológico do mistério da ressurreição, cantado de forma extremamente poética e solene. É um dos momentos mais emocionantes de toda a liturgia católica.

As XII profecias

Após o Exsultet, seguem-se as doze leituras proféticas. Este número doze tem um profundo simbolismo: representa as doze tribos de Israel, os doze Apóstolos e a plenitude da revelação. É uma recapitulação da história sagrada, do Gênese ao tempo dos Profetas, mostrando como toda a história da salvação converge para a Ressurreição de Cristo.

Cada profecia é seguida de uma oração, que explica seu sentido espiritual e sua relação com a páscoa. Algumas vezes, entre a profecia e a oração, canta-se um Tractus, que desenvolve o tema da leitura. Antes de cada oração, o diácono convida o povo a ajoelhar-se, dizendo “Flectamus genua” (Dobremos os joelhos), e após um momento de silêncio, o subdiácono diz “Levate” (Levantai-vos).

Primeira profecia (Gênesis I, 1-31 e II, 1-2)

A primeira profecia relata o Ἑξαήμερος, a obra da criação em seis dias. “No princípio, Deus criou o céu e a terra”. Esta leitura evoca o primeiro dia da primeira criação, enquanto a vigília celebra o primeiro dia da nova criação, inaugurada pela ressurreição de Cristo. É também uma meditação sobre a bondade original da criação: “E Deus viu tudo o que tinha feito, e era muito bom”.

Esta profecia tem um profundo simbolismo batismal: assim como o Espírito pairava sobre as águas no início da criação, assim o mesmo Espírito desce agora sobre as águas batismais para uma nova criação em Cristo. A luz que Deus cria no primeiro dia prefigura Cristo, “Luz do mundo”, que ressuscita nesta noite santa.

Segunda profecia (Gênesis V-VIII)

A segunda profecia narra o dilúvio e a história de Noé. As águas que purificam a terra do pecado e a arca que salva Noé e sua família são figuras eloquentes do batismo. A arca representa a Igreja, fora da qual não há salvação; as águas do dilúvio simbolizam as águas batismais, nas quais morre o homem velho e das quais emerge o homem novo.

A pomba que traz o ramo de oliveira, sinal do fim do castigo e da reconciliação com Deus, prefigura o Espírito Santo que desce sobre os batizados e lhes traz a graça e a paz de Cristo.

Terceira profecia (Gênesis XXII)

A terceira profecia relata o sacrifício de Isaac. Abraão, disposto a sacrificar seu filho único, prefigura o Pai celeste entregando seu Filho unigênito pela salvação do mundo. Isaac, carregando a lenha do próprio sacrifício, é figura de Cristo carregando sua cruz. A substituição de Isaac por um carneiro representa a morte de Cristo em nosso lugar.

Este episódio contém uma tríplice tipologia: Cristo é ao mesmo tempo o Filho oferecido, o sacerdote que oferece e a vítima que é oferecida. O monte Mória, onde se desenrola a cena, é tradicionalmente identificado como o próprio local onde mais tarde se ergueria o Calvário.

Quarta profecia (Êxodo XIV-XV)

A quarta profecia narra a passagem do Mar Vermelho, principal figura escriturária do batismo. O povo de Israel, escravizado no Egito (símbolo do pecado), atravessa as águas do mar e é libertado de seus perseguidores, como o catecúmeno atravessa as águas batismais e é libertado do domínio do demônio.

O faraó e seu exército, afogados no mar, simbolizam o pecado e o demônio, que são vencidos pelo batismo. Moisés, conduzindo o povo através do mar, é figura de Cristo e da Igreja, que conduzem os fiéis através das águas batismais.

Esta leitura é seguida do Cântico de Moisés, um dos mais antigos textos poéticos da Bíblia, celebrando a vitória de Deus sobre os inimigos de Israel: “Cantemos ao Senhor, porque se cobriu de glória: precipitou no mar o cavalo e o cavaleiro”.

Quinta Profecia (Isaías LIV-LV)

A quinta profecia, do profeta Isaías, contém o célebre convite: “Vós todos que tendes sede, vinde às águas”. Este convite é aplicado pela Igreja aos catecúmenos que se aproximam da fonte batismal.

O profeta desenvolve a imagem da aliança conjugal entre Deus e seu povo: “Teu esposo é aquele que te criou”. Esta imagem será retomada no Novo Testamento para expressar a relação entre Cristo e a Igreja.

O profeta Isaías anuncia também uma aliança universal: “As nações que não te conheciam correrão para ti”. É o anúncio da Igreja católica, aberta a todos os povos e a todas as nações.

Sexta profecia (Baruc III)

A sexta profecia, do livro de Baruc, é uma meditação sobre a sabedoria divina. O profeta deplora primeiro o abandono da sabedoria por parte de Israel, o que levou ao castigo do exílio. Em seguida, ele afirma que essa sabedoria, que nenhum homem pode encontrar por suas próprias forças, foi dada por Deus a Israel através da Lei.

A passagem culmina com estas palavras: “Depois disso, ela apareceu sobre a terra e conversou com os homens”. Estas palavras são aplicadas pela tradição cristã à encarnação do Verbo, Sabedoria eterna de Deus, que se fez homem e habitou entre nós.

Sétima profecia (Ezequiel XXXVII)

A sétima profecia contém a célebre visão dos ossos ressequidos que voltam à vida. O profeta Ezequiel, durante o exílio em Babilônia, vê um vale cheio de ossos secos. Por ordem de Deus, ele profetiza sobre esses ossos, que se recobrem de nervos, carne e pele, e nos quais entra um espírito de vida.

Esta visão simboliza, em primeiro lugar, a restauração de Israel após o exílio. Mas na liturgia do Sábado Santo, ela é aplicada à ressurreição de Cristo e à ressurreição espiritual dos batizados. Os ossos ressequidos representam a humanidade morta pelo pecado; o espírito que os vivifica é o Espírito Santo, que dá vida aos batizados.

Oitava profecia (Isaías IV)

A oitava profecia anuncia a purificação e a renovação de Jerusalém. Após um juízo purificador, o Senhor “criará sobre toda a extensão do monte Sião e sobre o lugar de suas assembleias uma nuvem de dia e um fogo flamejante de noite”.

A nuvem e o fogo evocam a presença protetora de Deus no êxodo; aqui, eles simbolizam a proteção divina sobre a Igreja. A profecia fala também de um “abrigo” que protegerá do calor, da chuva e das tempestades. Este abrigo é figura da Igreja, refúgio seguro contra as tempestades do mundo.

Nona profecia (Êxodo XII)

A nona profecia descreve a instituição da Páscoa judaica. O Senhor prescreve a Moisés e Aarão os ritos da imolação do cordeiro pascal, cuja sangue, marcando as portas das casas dos hebreus, os protegerá contra o anjo exterminador.

O cordeiro pascal é a principal figura de Cristo, “nosso Cordeiro pascal”, como o chama São Paulo. Seu sangue, protegendo os hebreus da morte, prefigura o sangue de Cristo que nos livra da morte eterna. A maneira de comer o cordeiro – às pressas, com as vestes cingidas, os pés calçados e o bastão na mão – simboliza a atitude do cristão neste mundo, sempre pronto para a partida.

Décima profecia (Jonas III)

A décima profecia relata a pregação de Jonas em Nínive e a conversão dos ninivitas. Jonas, resistente à missão que Deus lhe confia, acaba por obedecer e pregar em Nínive, anunciando a destruição da cidade em quarenta dias. Os ninivitas, do rei ao último dos cidadãos, fazem penitência, e Deus revoga o castigo.

Jonas, saindo do ventre do peixe depois de três dias, é figura de Cristo ressuscitando do sepulcro. A conversão dos ninivitas simboliza a conversão dos pagãos à pregação apostólica. Os quarenta dias de pregação evocam os quarenta dias da Quaresma.

Undécima profecia (Deuteronômio XXXI)

A décima primeira profecia contém as últimas instruções de Moisés ao povo de Israel antes de sua morte. Moisés prevê a infidelidade futura do povo, sua teimosia e ordena que a Lei seja lida publicamente a cada sete anos, para que todos a conheçam e a observem.

Esta leitura tem um profundo simbolismo batismal: o catecúmeno, ao receber o batismo, compromete-se solenemente a observar a lei de Cristo. Moisés representa a Lei Antiga, que deve conduzir a Cristo; mas é Josué (יְהוֹשֻׁעַ em hebraico, mesmo nome que “Jesus”) quem introduz o povo na Terra Prometida, assim como é Jesus quem nos introduz no Reino dos Céus.

A profecia é seguida do cântico de Moisés, que celebra a fidelidade de Deus apesar das infidelidades de seu povo: “Céus, escutai o que vou dizer, a terra ouça as palavras de minha boca”.

Duodécima e última profecia (Daniel III)

A última profecia narra o episódio dos três jovens na fornalha. Nabucodonosor, rei de Babilônia, manda erguer uma estátua de ouro e ordena que todos se prostrem diante dela. Três jovens judeus – Sidrac, Misac e Abdênago – recusam-se a adorar a estátua e são lançados numa fornalha ardente. Mas o anjo do Senhor desce com eles na fornalha e os preserva das chamas.

Este relato é uma figura eloquente do batismo, que nos livra do fogo eterno, e também do martírio cristão. Os três jovens, recusando-se a prestar culto aos ídolos mesmo sob pena de morte, são modelo para os catecúmenos, que renunciam a Satanás e a todas as suas obras.

A fornalha ardente, que deveria destruí-los mas se torna para eles lugar de refrigério, simboliza as provações deste mundo, que Deus transforma em bênçãos para seus eleitos.

Singularmente, a oração após esta profecia não é precedida do convite à genuflexão. Esta omissão intencional marca nossa recusa de nos prostrarmos diante dos ídolos, como fizeram os pagãos em Babilônia.

A solene bênção da Água Batismal

Após as doze profecias, os ministros se dirigem para o local onde está a água: o batistério. Eis a ordem da procissão para o Batistério. O Círio pascal, representando a coluna luminosa que guiou Israel, através das sombras da noite, para o mar Vermelho, em cujas ondas deveria encontrar sua salvação, avança primeiro à cabeça do corpo dos catecúmenos. Estes vêm a seguir, tendo à sua direita, os homens seu padrinho, as mulheres sua madrinha; pois é sob a apresentação de um cristão de seu sexo que cada um deles é admitido à regeneração. Dois Acólitos trazem, um o santo Crisma, o outro o Óleo dos Catecúmenos; e atrás do clero, o celebrante avança ladeado de seus ministros. Repetem-se as estrofes do Salmo (Sl. XLI) no qual Davi, suspirando por seu Deus, compara seu ardor ao do cervo que aspira à água da fonte.

Chegando ao local do batismo, o sacerdote pronuncia primeiro a Oração seguinte, na qual ele emprega, por sua vez, a comparação do cervo para exprimir diante de Deus o ardor de seu novo povo pela vida nova da qual o Cristo é a fonte: “Deus todo-poderoso e eterno, olhai favoravelmente a devoção deste povo que vai receber um novo nascimento, e aspira, como o cervo, à fonte de vossas águas salutares; dignai-vos fazer com que a sede que lhe inspira sua fé santifique as almas e os corpos, no mistério sagrado do Batismo. Por Jesus Cristo nosso Senhor. Amém.”

A bênção da água para o batismo é de instituição apostólica; e a antiguidade desta prática nos é atestada pelos maiores doutores, entre outros por São Cipriano, Santo Ambrósio, São Cirilo de Jerusalém, e São Basílio. É justo, com efeito, que esta água, instrumento da mais divina das maravilhas, seja cercada de tudo o que pode, ao glorificar a Deus que se dignou associá-la a seus desígnios de misericórdia sobre a humanidade, glorificá-la ela própria aos olhos do céu e da terra.

A prece de bênção que o sacerdote vai usar para abençoar a água nos remete ao berço de nossa fé, pela nobreza e energia do estilo de sua redação, pela autoridade de sua linguagem, e pelos ritos antigos e primitivos de que é acompanhada. Ela está no modo soleníssimo de Prefácio consecratório e possui a melodia dos panegíricos imperiais romanos. O celebrante inicia com uma simples Oração, após a qual associa-se o entusiasmo da santa Igreja Romana. Então ele se detém um momento, e mergulhando sua mão na água, a divide em forma de cruz, mostrando por este sinal que é pela virtude da Cruz que as águas adquiriram o poder de regenerar as almas. Até a morte de Cristo na cruz, este poder maravilhoso lhes era apenas prometido; foi preciso a efusão do sangue divino para que ele lhes fosse conferido: é este sangue que opera na água sobre as almas, com a virtude do Espírito-Santo.

Após as palavras, pelas quais o sacerdote pede a Deus que se digne afastar destas águas a influência dos espíritos malignos que procuram infectar toda a criação, ele estende a mão sobre elas e as toca. O caráter augusto do sacerdote é uma fonte de santificação; e o contato de sua mão consagrada opera já por si só sobre as criaturas, quando se exerce em virtude do sacerdócio de Jesus Cristo.

Pronunciando estas palavras ele abençoa por três vezes as águas da fonte, produzindo sobre elas o sinal da cruz: “Eu te abençoo, portanto, criatura de água, pelo Deus vivo, pelo Deus verdadeiro, pelo Deus santo; pelo Deus que, no princípio, te separou da terra com uma só palavra, e cujo Espírito pairava sobre ti.”

Aqui o sacerdote, mostrando-nos as águas chamadas já a fecundar o Paraíso terrestre, que elas percorriam em quatro rios, as divide novamente com sua mão, e as espalha para os quatro cantos do mundo que mais tarde deveriam receber a pregação do santo batismo. Ele realiza este rito tão expressivo, proferindo as palavras seguintes: “Pelo Deus que te fez jorrar da fonte do Paraíso, e te dividiu em quatro rios, ordenando-te que regasses toda a terra; que no deserto tirou tua amargura, e restituindo-te a doçura, te tornou potável, e mais tarde te fez sair da pedra para apaziguar a sede de seu povo. Eu te abençoo também por Jesus Cristo, seu Filho único, nosso Senhor, que, em Caná da Galileia, por um sinal admirável de seu poder, te mudou em vinho; que caminhou sobre ti a pé seco; que foi batizado em ti por João, no Jordão; que te fez sair, com o sangue, de seu lado aberto; e que ordenou a seus discípulos de batizar em ti os que cressem, dizendo-lhes: Ide, ensinai todas as nações, e batizai-as em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo.”

Neste momento, o sacerdote suspende o modo triunfante da Prefácio, e pronuncia as palavras que vão seguir-se num tom mais simples. Após ter marcado as águas com o sinal da cruz, ele invoca sobre elas a ação fecundante do Espírito-Santo. O Espírito Santo tem um nome que significa Sopro em grego (πνευμα); ele é o sopro divino, este vento violento que se fez ouvir no Cenáculo. O sacerdote exprime este divino caráter da terceira pessoa divina, soprando três vezes sobre as águas da fonte em forma de cruz; depois ele continua, sem retomar ainda o modo do Prefácio.

Em seguida, toma o Círio pascal, e o mergulha na água três vezes, elevando a voz gradativamente a cada imersão: “Que a virtude do Espírito-Santo desça sobre toda a água desta fonte.” Este rito expressa o mistério do batismo de Cristo no Jordão, no dia em que as águas receberam os prenúncios de seu divino poder. O Filho de Deus havia descido no rio, e o Espírito Santo repousava sobre sua cabeça em forma de pomba. Hoje, não são mais apenas os prenúncios que são dados; a água recebe verdadeiramente a virtude prometida, pela ação de Cristo e do Divino Espírito Santo. É por isso que o sacerdote, retomando o tom da Prefácio, exclama, ao mergulhar na água o Círio pascal, símbolo do Cristo, sobre o qual plana o divino Paráclito: “Que a virtude do Espírito-Santo desça sobre toda a água desta fonte.”

Depois destas palavras, o celebrante retira o Círio da água, e então o mergulha mais profundamente, repetindo em um tom de voz mais elevado: “Que a virtude do Espírito-Santo desça sobre toda a água desta fonte.” Tendo retirado de novo o Círio, ele o mergulha uma terceira vez até o fundo da pia, cantando em uma voz ainda mais potente: “Que a virtude do Espírito-Santo desça sobre toda a água desta fonte.” Desta vez, antes de retirar o Círio da água, o Bispo se inclina sobre a fonte; e, para unir em um símbolo visível a potência do Espírito Santo à virtude de Cristo, ele faz uma nova insuflação sobre as águas, não mais em forma de cruz, mas traçando com seu sopro esta letra do alfabeto grego, Ψ (psi), que é a primeira letra da palavra Espírito (ψυχή) nesta língua; e retoma sua solene prece por estas palavras: “Que ela dê a fecundidade a esta água, e a torne capaz de regenerar”, ou seja, animando aqueles sobre quem for derrama com uma nova vida.

Retiram então o Círio pascal da fonte, e o sacerdote termina sua grande oração. Depois que o povo respondeu Amém, um dos Padres asperge a assembleia com a água da fonte, e um dos clérigos inferiores vem mergulhar nela um vaso que retira cheio desta água, e que é destinado para o serviço da igreja e para a aspersão das casas dos fiéis.

Finalmente, o sacerdote verte na fonte o Óleo dos Catecúmenos, dizendo: “Que esta fonte seja santificada e fecundada pelo Óleo da salvação, para dar a vida eterna àqueles que renascerem de seu seio. Amém.” Depois, ele derrama o Santo Crisma, dizendo: “Que a infusão do Crisma de nosso Senhor Jesus-Cristo e do Espírito Santo Consolador se faça em nome da santa Trindade. Amém.” Enfim, pegando ao mesmo tempo o Crisma com a mão direita e o Óleo dos Catecúmenos com a mão esquerda, ele derrama dos dois frascos juntos sobre as águas, e diz, realizando esta libação sagrada que expressa a superabundância da graça batismal: “Que a mistura do Crisma de santificação e do Óleo da unção com a Água batismal se faça, em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito-Santo.” Depois destas palavras, o sacerdote mistura com a mão os Santos Óleos sobre a superfície da água, para que ela participe inteiramente deste último grau de santificação.

O Batismo

Após a bênção da água, procede-se ao solene rito do batismo dos catecúmenos, que já passaram pela primeira metade do rito antes da Vigília. O celebrante, revestido de paramentos brancos nesse momento, procede à profissão de fé dos catecúmenos. Após a profissão de fé, o celebrante batiza o catecúmeno, realizando a tripla infusão da água enquanto pronuncia as palavras sacramentais: “Eu te batizo em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo”.

Após o batismo, o neófito recebe a unção do santo crisma sobre a cabeça, símbolo do sacerdócio real em que todos os cristãos participam. Em seguida, recebe uma veste branca, símbolo da pureza batismal, e uma vela acesa no círio pascal, símbolo da luz de Cristo.

A Ladainha dos Santos e a Prostração

Após o batismo, a procissão retorna ao altar para a celebração da Missa. Dois cantores entoam a Ladainha dos Santos, enquanto o celebrante, com o diácono e o subdiácono, se prostram diante do altar.

A Ladainha dos Santos tem, neste contexto, um sentido profundamente pascal. Ela expressa a comunhão dos santos – a Igreja triunfante no céu, a Igreja padecente no purgatório e a Igreja militante na terra – em sua participação da graça da ressurreição. Os santos, que já participam plenamente da Ressurreição de Cristo, intercedem pela Igreja terrestre, particularmente pelos neófitos que acabam de receber o batismo.

A prostração do celebrante e dos ministros diante do altar é um dos gestos mais impressionantes da liturgia. Simboliza a morte mística – o homem velho que deve morrer para dar lugar ao homem novo. Como Cristo esteve três dias no sepulcro antes de ressuscitar, assim o sacerdote permanece prostrado, significando seu aniquilamento e abandono completo nas mãos de Deus. Este gesto, na liturgia da Vigília Pascal, evoca de maneira particular a sepultura de Cristo, e prepara o grande momento da celebração da Ressurreição.

A Missa da Vigília Pascal

Terminada a Ladainha e levantando-se o celebrante com seus ministros da prostração, começa a Missa da Vigília Pascal. Esta Missa tem características especiais que revelam sua grande antiguidade.

Não há Introito, pois esta parte da Missa só foi introduzida na liturgia romana por volta do século V. Após as ladainhas, o celebrante sobe ao altar e entoa solenemente o “Gloria in excelsis Deo”, momento em que se rompem novamente todos os sinais de luto: os sinos voltam a tocar, o órgão ressoa, e o altar se cobre de flores. As imagens, que ainda estavam veladas, são descobertas, manifestando a glória de Cristo em seus santos.

A Epístola, de São Paulo aos Colossenses (III, 1-4), exorta-nos a “buscar as coisas do alto, onde Cristo está sentado à direita de Deus”. Esta leitura nos ensina que a vida cristã é simultaneamente morte e ressurreição em Jesus Cristo: morte à natureza corrompida e ressurreição pela graça. O fiel, ressuscitado com Cristo, deve nutrir gostos e desejos celestiais. Durante longos séculos, o “Aleluia” foi tão próprio da solenidade pascal que em Roma, no tempo de Sozomeno, era considerada uma maldição desejar que alguém não pudesse ouvir o canto aleluiático na futura festa de Páscoa. Santo Agostinho testemunha que em seu tempo repetia-se o “Aleluia” durante os cinquenta dias até Pentecostes. Após a Epístola, o celebrante entoa solenemente o “Aleluia”, que não foi cantado durante toda a Quaresma.

O Evangelho, extraído de São Mateus (XXVIII, 1-7), narra a visita das mulheres ao sepulcro do Senhor ao amanhecer do domingo após o sábado pascal. Estas piedosas discípulas, não se importando com a cólera do Sinédrio nem com os soldados que guardavam o túmulo, dirigem-se corajosamente ao sepulcro para completar o embalsamamento do corpo de Jesus, que havia sido apressado na tarde da Parasceve devido à proximidade do repouso sabático. Encontram a pedra que fechava a entrada da grota sepulcral removida e, ao entrarem, ouvem de um anjo que o Crucificado ressuscitou. Não se levam castiçais ao Evangelho, pois o próprio círio pascal, símbolo de Cristo ressuscitado, ilumina a leitura.

Após a Comunhão, temos na Missa o Ofício de Vésperas. Canta-se então apenas o Salmo CXVI, o mais breve do Saltério, que, em Roma, era entoado em todas as vigílias dominicais: “Laudate Dominum omnes gentes” (Louvai o Senhor, todas as nações). Este salmo é acompanhado pela tripla antífona “Alleluia, alleluia, alleluia”, expressando a alegria pascal que agora transborda. Segue-se, pois, o Magnificat, com a antífona: “Vespere autem sabbati, quae lucescit in prima sabbati, venit Maria Magdalene et altera Maria videre sepulcrum, alleluia” (Na tarde do sábado, quando já amanhecia o primeiro dia da semana, Maria Madalena e a outra Maria foram ver o sepulcro, aleluia). Durante o Magnificat, o altar é incensado como nas Vésperas solenes, completando assim o ciclo que começou com a incensação do Círio Pascal e do livro durante o Exultet.

A Missa termina com a oração “Spiritum nobis, Domine, tuae caritatis infunde” (Infunda em nós, Senhor, o Espírito de tua caridade), que pede que o Espírito Santo, o amor divino, produza a concórdia entre os que foram nutridos pelos sacramentos pascais. O diácono despede o povo com um duplo “Alleluia”: “Ite missa est, alleluia, alleluia” (Ide, a missa acabou, aleluia, aleluia), ao que o coro responde: “Deo gratias, alleluia, alleluia” (Graças a Deus, aleluia, aleluia).

Conclusão

O Sábado Santo no rito tradicional, com sua riqueza teológica, seu simbolismo profundo e suas cerimônias majestosas, constitui um verdadeiro tesouro espiritual para a Igreja. Durante todo o dia, a Igreja vela junto ao sepulcro do Senhor, na expectativa confiante de sua Ressurreição.A sublime Vigília Pascal, com suas múltiplas partes – a bênção do fogo novo, a preparação e bênção do círio pascal, o canto do Exsultet, as doze profecias, a bênção da água batismal, a administração do batismo, a Ladainha dos Santos com a prostração, e a Missa – forma um conjunto harmonioso que exprime admiravelmente o mistério central da fé cristã: a passagem da morte à vida por Cristo e em Cristo.

Na aridez do mundo moderno, a liturgia tradicional do Sábado Santo conserva em toda sua integridade o patrimônio espiritual da fé católica, oferecendo aos fiéis uma verdadeira fonte de graças e de meditação. A Vigília Pascal é, como dizia Santo Agostinho, “a mãe de todas as vigílias santas”, o ápice do ano litúrgico, pois nela celebramos o evento que dá sentido a toda a nossa fé: a ressurreição gloriosa de Nosso Senhor Jesus Cristo.

FONTES:
INTROIBO.FR. Commentaires liturgiques du Samedi Saint
Dom Guéranger, l’Année Liturgique
Bhx Cardinal Schuster, Liber Sacramentorum 
Dom Pius Parsch, le Guide dans l’année liturgique

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Via Sacra da Sexta-Feira Maior https://oantoniano.com/via-sacra-da-sexta-feira-maior/ https://oantoniano.com/via-sacra-da-sexta-feira-maior/#respond Fri, 18 Apr 2025 23:10:38 +0000 https://oantoniano.com/?p=128 Pe. Marcos Vinícius Mattke, IBPCapela Nossa Senhora das Dores18 de abril de 2025 A.D.Brasília-DF I  ESTAÇÃOJESUS É CONDENADO À MORTE Eis o Filho de Deus, o Autor da vida, diante do tribunal de Pilatos. Suas mãos, que só operaram prodígios de misericórdia, estão atadas. Sua face, mais bela que a dos filhos dos homens, está […]

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A pregação não segue o texto abaixo ipsis litteris.

Pe. Marcos Vinícius Mattke, IBP
Capela Nossa Senhora das Dores
18 de abril de 2025 A.D.
Brasília-DF

I  ESTAÇÃO
JESUS É CONDENADO À MORTE

Eis o Filho de Deus, o Autor da vida, diante do tribunal de Pilatos. Suas mãos, que só operaram prodígios de misericórdia, estão atadas. Sua face, mais bela que a dos filhos dos homens, está desfigurada pelos ultrajes. E a multidão, esquecida dos benefícios recebidos, clama: “Crucifica-o! Crucifica-o!” Pilatos, conhecendo a inocência de Jesus, lava as mãos, mas entrega o Justo à morte infame. Que mistério insondável! A Inocência condenada e o culpado absolvido!

Quantas vezes, caríssimos, temos sido Pilatos em nossas vidas? Quantas vezes, sabendo o que é justo, escolhemos o caminho mais fácil, mais confortável, mais prazeroso? Quantas vezes, por respeito humano, traímos nossa consciência? E quantas vezes estivemos na multidão, preferindo Barrabás a Jesus, o pecado à graça, as paixões desordenadas à lei santa de Deus? Cada pecado que cometi foi um brado em favor da condenação de Cristo, foi o desprezo do amor de Cristo.

Ó Jesus, pela vossa injusta condenação, dai-me a graça de jamais Vos condenar em minha vida por fraqueza ou covardia. Concedei-me força para resistir às seduções do mundo e aos respeitos humanos, permanecendo fiel à Vossa lei, para que no dia do Juízo não seja eu condenado, mas absolvido por Vossa misericórdia. Amém.

II ESTAÇÃO
JESUS CARREGA A CRUZ

Contemplai o divino Salvador: recebe sobre seus ombros lacerados, já sem pele, o madeiro pesado da cruz. Aquele que sustenta o universo com o poder de sua palavra, agora se curva sob o peso do instrumento de seu suplício. Com que mansidão aceita esta cruz! Com que amor a abraça! Pensa ele em cada um dos pecadores, cada um vós. Sabe que neste lenho resgatará a humanidade e reconciliará o céu com a terra.

Caríssimos, a cruz de Cristo nos ensina que não há redenção sem sacrifício, nem glória sem sofrimento. Cada um de nós tem a sua cruz: enfermidades, tribulações, tentações, lutas interiores. Mas quão diferente é nossa atitude do exemplo de Jesus! Ele abraçou sua cruz com amor; nós carregamos a nossa com impaciência e murmuração. Aprendamos do Mestre a ciência da cruz: é ela que nos purifica, nos desprende da terra e nos conduz ao céu.

Ó Jesus, que abraçastes voluntariamente a cruz por meu amor, concedei-me a graça de reconhecer a dignidade e o valor da minha própria cruz. Que eu não a rejeite, mas a aceite com resignação, paciência e amor, para que, seguindo Vossos passos neste caminho, possa um dia participar da Vossa glória. Amém.

III ESTAÇÃO
JESUS CAI PELA PRIMEIRA VEZ

Observai o Rei da glória prostrado por terra. O peso da cruz, a fraqueza causada pela flagelação, a perda de sangue, tudo isso faz com que Jesus caia. A coroa de espinhos penetra mais profundamente em sua sagrada cabeça, e novas dores o assaltam. Entretanto, não somente ele não abandona sua cruz; reúne suas forças e se levanta para continuar o caminho.

Esta primeira queda do Salvador, caríssimos, nos recorda a fragilidade da natureza humana, mesmo quando animada pelas melhores disposições. Também nós, após fervorosos propósitos, caímos miseravelmente. O que nos distinguirá não será a ausência de quedas, mas a prontidão em levantar-nos. A perseverança não consiste em nunca cair, mas em nunca permanecer caído. O verdadeiro discípulo de Cristo, como seu Mestre, sabe transformar suas quedas em ocasiões de renovação da humildade, da caridade e do fervor.

Ó Jesus, que caístes sob o peso de nossos pecados, dai-me a graça de reconhecer minha fraqueza e o meu nada. Não permitais que desanime com minhas faltas, mas concedei-me a força de levantar-me sempre com renovada confiança em Vossa misericórdia. Fazei que cada queda me torne mais humilde, mais vigilante e mais unido a Vós. Amém.

IV ESTAÇÃO
JESUS ENCONTRA SUA MÃE SANTÍSSIMA

Que encontro doloroso! O Filho de Deus, desfigurado pelos ultrajes, coberto de sangue, de escarros, carregando o instrumento de seu suplício, cruza o olhar com sua Mãe Santíssima. Que espada de dor atravessa neste momento o coração de Maria Santíssima! Ela sabe que este é o momento predito por Simeão. Não pode aliviar os sofrimentos de seu Filho, mas pode dar-lhe o consolo de sua presença e de seu amor. Unidos em caridade, ambos oferecem a união de seus sofrimentos ao Pai eterno em reparação pelos pecados dos homens e pela salvação do gênero humano. Seus olhares se cruzam: o do Filho agradece, o da Mãe encoraja.

Neste encontro contemplamos o mistério da compaixão: Maria sofre com Jesus, participa intimamente de sua Paixão. Este é o modelo da verdadeira devoção: não contentar-se em contemplar de longe os sofrimentos de Cristo, mas unir-se a eles na perfeição da caridade. A compaixão da Virgem nos ensina que o amor verdadeiro não recua diante da dor; pelo contrário, nela se aprofunda e se purifica.

Ó Jesus, que quisestes ter o conforto da presença de vossa Mãe Santíssima no caminho da cruz, concedei-me a graça de uma sincera devoção a Maria. Que, como Ela, eu saiba permanecer fiel nos momentos de provação, e que meu coração, unido ao dela, seja transpassado pelo amor compassivo que sente por Vós. Amém.

V ESTAÇÃO
SIMÃO CIRENEU AJUDA JESUS A CARREGAR A CRUZ

Os algozes, temendo que Jesus morra antes de chegar ao Calvário, obrigam Simão Cireneu a ajudá-lo a carregar a cruz. O que começou como uma imposição, torna-se para o Cireneu uma graça inestimável: poder partilhar o peso da cruz redentora, tornar-se cooperador na obra da salvação.

Quantas vezes, como o Cireneu, caríssimos, somos chamados a carregar cruzes que não escolhemos: enfermidades, reveses, injustiças, frustrações. Nossos primeiros sentimentos são habitualmente de revolta e rejeição. Mas se tivéssemos os olhos da fé, veríamos que estas cruzes são oportunidades preciosas de unirmo-nos à Paixão de Cristo e de cooperar na obra da Redenção. A cruz, abraçada com fé e amor, transforma-se de fardo em privilégio, de vergonha em glória.

Ó Jesus, que aceitastes a ajuda do Cireneu em vosso caminho de dor, ensinai-me a reconhecer em cada provação uma oportunidade de unir-me mais intimamente à Vossa cruz redentora. Dai-me a graça também de ser cireneu para o meu próximo, ajudando-os a carregar suas cruzes com paciência e amor. Amém.

VI ESTAÇÃO
VERÔNICA ENXUGA O ROSTO DE JESUS

No meio da multidão hostil, uma mulher avança com coragem e compaixão. É Verônica, que não se contenta em contemplar de longe o sofrimento do Salvador, mas aproxima-se dele para oferecer-lhe o consolo de um gesto de ternura. Com seu véu, enxuga o rosto ensanguentado e desfigurado de Jesus, e é recompensada com o precioso tesouro da Sua Santa Face impressa no tecido.

O gesto de Verônica nos ensina, caríssimos, que as pequenas obras de caridade têm um valor imenso aos olhos de Deus. Uma palavra de conforto, um gesto de atenção, uma visita a um doente – são atos que refrescam o rosto sofredor de Cristo em nosso próximo. E, assim como o véu de Verônica, nossa alma recebe a impressão dos traços de Cristo quando O servimos nos outros. Quanto mais nos assemelharmos a Ele pela caridade, tanto mais Sua imagem se imprimirá em nós.

Ó Jesus, que recompensastes o gesto compassivo de Verônica imprimindo Vossa face em seu véu, concedei-me a graça de reconhecer-Vos nos que sofrem e de servi-Vos com coragem e piedade. Gravai em minha alma a imagem de Vossa face, para que, transformado à Vossa semelhança, possa um dia contemplar-Vos face a face na glória. Amém.

VII ESTAÇÃO
JESUS CAI PELA SEGUNDA VEZ

De novo o Salvador cai por terra. Os ultrajes renovados, o peso da cruz, a fraqueza crescente, tudo contribui para esta segunda queda, mais dolorosa que a primeira. Seus ferimentos abrem-se novamente. Os soldados o levantam brutalmente, e Jesus, reunindo suas forças exaustas, continua seu caminho para o Calvário.

Esta segunda queda de Jesus, caríssimos, fala-nos de uma triste realidade espiritual: a recaída no pecado. Quantos, depois de terem se levantado de uma primeira queda, voltam a cair nas mesmas faltas, talvez com circunstâncias mais graves! São Pedro havia dito: “Ainda que todos se escandalizem, eu jamais me escandalizarei”; e no entanto negou o Mestre três vezes. Assim somos nós: confiamos presunçosamente em nossas próprias forças e então caímos. Aprendamos de Cristo a humildade e a perseverança nos combates.

Ó Jesus, que caístes segunda vez sob o peso de nossos pecados, concedei-me a graça de não recair nas faltas de que já me arrependi. Dai-me santa desconfiança de minhas forças e filial confiança em Vossa graça. Fazei que, se por fraqueza eu cair, jamais permaneça no pecado, mas me levante prontamente pelo arrependimento sincero, recorrendo o quanto antes ao tribunal da confissão. Amém.

VIII ESTAÇÃO
JESUS CONSOLA AS MULHERES DE JERUSALÉM

Mesmo em meio a seus indizíveis sofrimentos, o coração de Jesus permanece atento aos nossos sofrimentos. Esquecendo-se de si mesmo, Ele se volta para as mulheres que o seguem chorando, e lhes diz: “Filhas de Jerusalém, não choreis por mim, mas chorai por vós mesmas e por vossos filhos… Porque, se isto se faz com o lenho verde, o que será feito com o seco?”

Caríssimos, quanto egoísmo há no coração humano! Mesmo nos momentos de aflição, preocupamo-nos apenas com nossos interesses. Quão diferente é o coração de Cristo! No auge de sua Paixão, esquece-se de si mesmo para com a delicadeza da caridade consolar-nos. E suas palavras nos mostram onde colocar o motivo principal de nossas lágrimas: não nos sofrimentos exteriores, mas nos pecados, causa de todos os males. Se a própria Inocência e Santidade tanto sofreu, o que merecemos nós, pecadores?

Ó Jesus, que em meio a Vossos sofrimentos consolastes as filhas de Jerusalém, dai-me um coração semelhante ao Vosso, capaz de esquecer-se de si mesmo para ir ao socorro do próximo. Concedei-me a graça de verdadeiras lágrimas de contrição, para que, chorando meus pecados, encontre misericórdia e salvação. Amém.

IX ESTAÇÃO
JESUS CAI PELA TERCEIRA VEZ

Estamos próximos do Calvário. Jesus está exausto; suas forças o abandonam. Cai pela terceira vez, mais pesadamente que nas duas anteriores. Parece que não poderá mais se levantar. Entretanto, pelo amor que tem ao Pai e aos homens, reúne suas últimas energias e se ergue para consumar o sacrifício.

A terceira queda de Jesus nos ensina a perseverança até o fim. Quando as provações se multiplicam, quando as tentações se renovam, quando as forças parecem esgotar-se, lembremo-nos de Jesus caído pela terceira vez e, no entanto, perseverando até o fim. Ele nos ensina que a vida cristã é uma luta constante, e que a coroa da glória está reservada aos que perseveram até o fim. Não é o número de quedas que decide nossa salvação, mas a perseverança no combate.

Ó Jesus, que caístes pela terceira vez para vos erguer e consumar vosso sacrifício, dai-me a graça da perseverança final. Nos momentos de desânimo, quando minhas forças parecerem esgotar-se diante das provações, infundi em mim novo vigor para que possa seguir-Vos até o Calvário e participar um dia de Vossa ressurreição gloriosa. Amém.

X ESTAÇÃO
JESUS É DESPOJADO DE SUAS VESTES

Chegando ao Calvário, os soldados despojam Jesus de suas vestes. A túnica, tecida pelas mãos virginais de Maria, está colada às chagas pela coagulação do sangue. Ao arrancá-la, renovam-se todas as dores da flagelação. O Rei da glória está nu aos olhos de todos, suportando a vergonha por amor de nós.

Para seguir verdadeiramente a Cristo, é necessário o despojamento. Despojamento dos bens materiais pelo desapego; despojamento da vontade própria pela obediência; despojamento do amor-próprio pela humildade. “Se alguém quer vir após mim, renuncie-se a si mesmo, tome sua cruz e siga-me”. O cristão deve estar disposto a perder tudo, até mesmo a honra aos olhos do mundo, para permanecer fiel a Cristo. Não basta seguí-lo com palavras ou com a mera aparência, é necessário imitá-lo verdadeiramente e integralmente na nossa vida. Quanto mais nos despojarmos do homem velho com suas cobiças, tanto mais nos revestiremos de Cristo.

Ó Jesus, que suportastes a dor e a ignomínia de ser despojado de Vossas vestes, concedei-me a graça de despojar-me do homem velho com seus vícios e concupiscências. Que eu saiba renunciar a tudo o que me impede de seguir-Vos com perfeita liberdade de coração. Vesti-me com o manto da virtude, para que um dia possa revestir-me da veste nupcial no banquete eterno. Amém.

XI ESTAÇÃO
JESUS É PREGADO NA CRUZ

Contemplai o Filho de Deus estendido sobre o seu leito da cruz. Os algozes tomam seus braços e pés sagrados, e com grossos cravos os pregam ao madeiro. Cada martelada ressoa no coração de Maria. Os nervos se contraem, os ossos se deslocam, o sangue jorra das novas feridas. Mas Jesus sofre em silêncio, oferecendo suas dores pela redenção do mundo.

Na crucifixão de Cristo, aprendemos o verdadeiro sentido da mortificação cristã. Não se trata de mutilação, mas de transformação; não de destruição, mas de elevação. As paixões desordenadas, os sentidos rebeldes, a vontade indócil, devem ser crucificados com Cristo para que o homem novo possa ressuscitar em nós. Os cravos da cruz são a disciplina, a renúncia, o sacrifício voluntário que nos fixa na lei de Deus e nos impede de voltar aos caminhos do pecado.

Ó Jesus, que fostes pregado na cruz por meus pecados, concedei-me a graça de crucificar minha carne com seus vícios e concupiscências. Que eu saiba aceitar as dores e contrariedades da vida como cravos preciosos que me fixam em Vossa vontade. Fazei que, crucificado convosco neste mundo, possa um dia reinar convosco na eternidade. Amém.

XII ESTAÇÃO
JESUS MORRE NA CRUZ

Eis o momento supremo! Durante três horas, Jesus agoniza na cruz. Sete palavras, como sete relâmpagos, iluminam o mundo das trevas: palavras de perdão, de promessa, de providência, de abandono, de sede, de consumação e de entrega. Finalmente, “inclinando a cabeça, entregou o espírito”. Está consumado! O Filho de Deus está morto! O sol se obscurece, a terra treme, o véu do templo se rasga, a natureza inteira se comove.

A morte de Cristo na cruz é o fato central da história humana e o fundamento de nossa fé. “Eu, quando for levantado da terra, atrairei todos a mim”. E de fato, a cruz de Cristo, vitoriosa e triunfante, tem atraído milhões de almas ao longo dos séculos. Diante deste mistério de amor, que resposta daremos? “A caridade de Cristo nos constrange”. Se Ele morreu por todos, então todos devem viver não mais para si, mas para Aquele que por eles morreu e ressuscitou.

Ó Jesus, que morrestes na cruz por meu amor, concedei-me a graça de viver só para Vós. Que o pensamento de Vossa morte seja meu constante consolo nas tribulações, minha força nas tentações, meu estímulo no caminho da virtude. Fazei que, contemplando com fé e amor o mistério de Vossa cruz, possa um dia contemplar face a face Vossa glória. Amém.

XIII ESTAÇÃO
JESUS É DESCIDO DA CRUZ E ENTREGUE A SUA MÃE

José de Arimatéia e Nicodemos, com reverência e piedade, descem o corpo de Jesus da cruz e o entregam a Maria Santíssima. A Mãe dolorosa recebe em seus braços o corpo inanimado de seu Filho. Contempla uma a uma as chagas que o desfiguram, e seu coração é traspassado pela espada predita por Simeão. Quão grande é sua dor! “Vós todos que passais pelo caminho, olhai e vede se há dor semelhante à minha dor.”

A cena comovente de Maria recebendo o corpo de Jesus nos ensina, caríssimos, o valor da compaixão. Compassio significa “sofrer com”. Não se trata apenas de sentir pena, mas de unir-se espiritualmente aos sofrimentos de Cristo e do nosso próximo. A verdadeira compaixão não é estéril; transforma-se em ação, como vemos em José de Arimatéia e Nicodemos. Maria, a “Mater Dolorosa”, é o modelo perfeito da compaixão: seu coração, unido ao de Jesus, oferece todos os seus sofrimentos pela redenção do mundo.

Ó Jesus, que quisestes que Vosso corpo inanimado repousasse nos braços de Vossa Mãe, concedei-me a graça de uma sincera devoção a Nossa Senhora das Dores. Que meu coração se una ao dela na contemplação de Vossos sofrimentos, e que, à imitação dela, eu saiba oferecer minhas dores em união com as Vossas pela salvação das almas. Amém.

XIV ESTAÇÃO
JESUS É COLOCADO NO SEPULCRO

Após embalsamarem o corpo de Jesus com mirra e aloés, José de Arimatéia e Nicodemos, acompanhados de Maria e dos discípulos fiéis, o levam ao sepulcro novo, escavado na rocha. Com reverência, depositam o sagrado corpo, rolam uma grande pedra para fechar a entrada, e se retiram em silêncio e dor. A semente divina é lançada na terra, esperando o momento glorioso da Ressurreição.

O sepulcro de Cristo nos recorda a necessidade de morrer para o pecado a fim de ressuscitar para a vida da graça. “Se o grão de trigo não cair na terra e não morrer, permanece só; mas se morrer, produz muito fruto”. Nossa vida deve ser uma contínua morte mística: morte ao egoísmo, à soberba, à sensualidade, a tudo o que nos separa de Deus. Só assim o homem novo poderá crescer em nós, até que possamos dizer com São Paulo: “Vivo, já não vivo eu, é Cristo que vive em mim”.

Ó Jesus, que quisestes ser sepultado para santificar nossa vida e nossa morte e dar-nos a esperança da ressurreição, concedei-nos a graça de morrer completamente para o pecado e viver unicamente para Vós. Que meu coração seja um sepulcro novo onde possais repousar, para que, ressuscitando gloriosamente em mim pela graça, possais manifestar-Vos aos outros por meio de minhas palavras e ações. Amém.

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[Artigo] O mistério do sagrado Tríduo (Parte 2): Sexta-feira Maior e o Calvário revivido na liturgia https://oantoniano.com/artigo-o-misterio-do-sagrado-triduo-parte-2-sexta-feira-maior-e-o-calvario-revivido-na-liturgia/ https://oantoniano.com/artigo-o-misterio-do-sagrado-triduo-parte-2-sexta-feira-maior-e-o-calvario-revivido-na-liturgia/#comments Fri, 18 Apr 2025 03:32:08 +0000 https://oantoniano.com/?p=125 Pe. Marcos Vinicius Mattke, IBP Introdução A Sexta-Feira Maior, dia em que a Santa Romana Igreja comemora solenemente a Paixão e Morte do Senhor, ocupa lugar central no Ano Litúrgico. É o dia em que se cumpre a obra da Redenção, quando o Filho de Deus, suspenso entre o céu e a terra, consumou o […]

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Pe. Marcos Vinicius Mattke, IBP

Introdução

A Sexta-Feira Maior, dia em que a Santa Romana Igreja comemora solenemente a Paixão e Morte do Senhor, ocupa lugar central no Ano Litúrgico. É o dia em que se cumpre a obra da Redenção, quando o Filho de Deus, suspenso entre o céu e a terra, consumou o Sacrifício perfeito. É também o único dia do ano em que não se celebra o Santo Sacrifício da Missa, para que a nossa atenção esteja inteiramente voltada para o Sacrifício histórico do Calvário.

Neste dia solene, a Igreja veste-se de luto, usando paramentos pretos. Esta cor litúrgica expressa a dor e a tristeza de nossa Santa Madre Igreja pela morte de seu Divino Esposo. Diferentemente do roxo, que é a cor da penitência e da expectativa, o preto é a cor do luto absoluto, da morte consumada. É o símbolo visível do abismo de sofrimento em que o Salvador mergulhou para nos resgatar. Os paramentos pretos também nos lembram as trevas que cobriram a terra por três horas quando Jesus estava na Cruz, simbolizando a vitória momentânea das trevas sobre a Luz do mundo.

As cerimônias que compõem a liturgia deste dia, em sua forma tradicional, carregam a solene gravidade do mistério que comemoram. Concentram-se no essencial: a palavra que anuncia a Paixão, a súplica universal pela humanidade, a adoração da Cruz, instrumento da Redenção, e a Comunhão eucarística do celebrante com o Corpo imolado do Salvador.

Propomo-nos aqui a contemplar os tesouros espirituais da liturgia tradicional da Sexta-Feira Maior, em sua forma anterior à reforma de Pio XII de 1955. Esta liturgia, com suas formas de expressão milenares, nos permite reviver com profunda reverência os acontecimentos da primeira Sexta-feira Santa.

As quatro partes do Ofício da Sexta-feira Maior

O Ofício da Sexta-Feira in Parasceve, desde a mais remota antiguidade cristã, é dividido em quatro partes distintas:

  1. As Leituras
  2. As Orações Solenes
  3. A Adoração da Santa Cruz
  4. A Missa dos Pré-santificados

I. O ofício das Trevas

Antes de tratarmos do Ofício solene, mencionemos brevemente o Ofício das Trevas, celebrado na madrugada da Sexta-Feira. Trata-se das Matinas e Laudes do dia, antecipadas para a vigília. Seu nome – “Trevas” – deriva de seu caráter austero e das velas que são progressivamente apagadas.

As Matinas da Sexta-Feira Santa são divididas em três noturnos, cada um composto de três salmos e três lições. Estes salmos foram escolhidos com esmero, pois contêm passagens claramente proféticas da Paixão de Nosso Senhor.

No primeiro noturno, o Salmo XXI nos traz praticamente toda a cena do Calvário: “Eles transpassaram minhas mãos e meus pés, contaram todos os meus ossos… dividiram entre si as minhas vestes, sobre a minha túnica lançaram sortes”. O salmista, inspirado pelo Espírito Santo, colocou estas palavras nos lábios do Messias séculos antes do acontecimento.

As lições deste noturno são extraídas das Lamentações de Jeremias, onde o profeta chora sobre Jerusalém destruída, figura da alma devastada pelo pecado e que só encontrará consolo na Cruz redentora.

O terceiro noturno traz uma passagem da Epístola de São Paulo aos Hebreus, que nos mostra o Cristo como sumo sacerdote e vítima perfeita que, pela efusão do seu sangue, entrou de uma vez por todas no Santo dos Santos celestial.

Em cada um dos noturnos, entre as lições, são cantados responsórios de singular beleza e profundidade teológica. Um deles, o “Tenebrae factae sunt”, descreve as trevas que cobriram a terra quando Jesus foi crucificado: “Trevas cobriram toda a terra, quando os judeus crucificaram Jesus; e por volta da hora nona, Jesus exclamou em alta voz: Meu Deus, por que me abandonaste? E inclinando a cabeça, entregou o espírito. Jesus, clamando em alta voz, disse: Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito. E inclinando a cabeça, entregou o espírito.”

Terminadas as Matinas, seguem-se as Laudes, que se encerram com o cântico Benedictus. A antífona deste cântico nos lembra a inscrição colocada sobre a Cruz: “Colocaram acima de sua cabeça a inscrição com o motivo de sua condenação: Jesus Nazareno, Rei dos Judeus.”

Após a repetição desta antífona, entoa-se o versículo “Christus factus est pro nobis obediens usque ad mortem, mortem autem crucis” – “Cristo fez-se obediente por nós até a morte, e morte de cruz.” Esta frase, extraída da Epístola de São Paulo aos Filipenses, resume admiravelmente toda a obra redentora que celebramos neste dia.

II. As leituras

O Ofício solene começa sem qualquer rito preliminar. O celebrante ladeado pelos ministros, revestidos de paramentos pretos, dirigem-se ao altar em silêncio e prostram-se, estendidos no chão diante do altar nu. Este gesto impressionante simboliza o abatimento da humanidade sob o peso do pecado e sua necessidade absoluta de redenção.

Após alguns momentos de prostração e oração silenciosa, inicia-se a primeira parte da cerimônia: as leituras. Duas passagens do Antigo Testamento são lidas, cada uma seguida de um salmo e uma oração.

A primeira leitura é tirada do profeta Oséias (VI, 1-6), onde Deus anuncia: “Depois de dois dias nos dará a vida, no terceiro dia nos ressuscitará.” É uma profecia da Ressurreição que nos lembra que a Paixão não é o fim, mas o caminho necessário para a glória. O profeta também nos recorda que Deus prefere a misericórdia aos sacrifícios, mostrando que o verdadeiro culto está no coração contrito e humilhado. Segue-se o Tracto extraído do Livro de Habacuc, onde o profeta, aterrorizado, contempla o mistério da Paixão.

A segunda profecia vem do Livro do Êxodo (XII, 1-11) e descreve a instituição do cordeiro pascal. O simbolismo é claríssimo: o Cristo imolado na Cruz é o verdadeiro Cordeiro pascal cujo sangue nos preserva da morte eterna. Esta leitura nos recorda que o Senhor morreu durante a celebração da Páscoa judaica, precisamente no momento em que os cordeiros pascais eram imolados no Templo, cumprindo assim perfeitamente o tipo que o prefigurava. O cordeiro devia ser comido às pressas, com os rins cingidos e o bastão na mão, simbolizando a brevidade da vida terrena e a urgência de buscar a pátria celeste.

Vem então o momento culminante das leituras: a narração da Paixão segundo São João. O quarto evangelista, testemunha ocular da Crucificação, oferece uma narrativa detalhada e teologicamente profunda do sacrifício do Calvário. O texto é cantado solenemente por três diáconos que assumem os papéis de Cronista, Cristo e Sinagoga.

São João, diferentemente dos outros evangelistas, põe em relevo a realeza do Cristo mesmo em sua Paixão. É assim que nos mostra Pilatos apresentando Jesus ao povo com as palavras: “Eis o vosso rei”; e a inscrição da cruz, que Pilatos se recusa a modificar: “Jesus Nazareno, Rei dos Judeus”. O evangelista também é o único a mencionar o golpe de lança que abriu o lado de Cristo, de onde saíram sangue e água, símbolos dos sacramentos que dão vida à Igreja. Nestes detalhes, que só encontramos em São João, vemos claramente que a Paixão não é uma derrota, mas uma vitória, a entronização gloriosa do Rei dos reis.

III. As orações solenes

Após a Paixão, o sacerdote entoa as solenes Orações, também chamadas de intercessões. São orações universais, que abrangem toda a Igreja e toda a humanidade: pela própria Igreja, pelo Papa, pelos diversos estados de vida entre os fiéis, para o Imperador Romano (oração hoje omitida), pelos catecúmenos, por todas as necessidades dos fiéis, contra as heresias e cismas, pela conversão dos judeus e dos pagãos.

Estas orações têm uma forma particularmente solene. O celebrante anuncia primeiro a intenção da oração, convidando assim os fiéis a unir seus corações nesta intenção. Em seguida, o diácono diz “Flectamus genua” (dobremos os joelhos) e todos se ajoelham. Após um breve momento o subdiácono responde “Levate” (levantai-vos), e todos se levantam. O celebrante então recita a oração propriamente dita.

É de notar que esta genufexão é omitida apenas antes da oração pelos judeus. A razão deste uso é para marcar a reprovação da Igreja pelas genuflexões irrisórias que os judeus fizeram diante de Jesus durante sua Paixão, quando o saudavam zombeteiramente como “Rei dos Judeus”. Trata-se de piedade da Igreja de não repetir o abuso que o povo deicida cometeu contra o Salvador afim de que se reze por eles com maior piedade. Justamente, o celebrante prossegue rogando para que Deus “tire o véu de seus corações”, como diz São Paulo, e reconheçam em Jesus o Messias anunciado pelos profetas.

Estas orações manifestam a solicitude da Igreja por todos os homens, por quem Cristo morreu. A ordem das orações é também significativa: parte-se da Igreja, corpo místico de Cristo, para chegar progressivamente a todos aqueles que estão mais afastados dela, mostrando que a Redenção é oferecida a todos, mas passa sempre pela mediação da Igreja, fora da qual não há salvação.

IV. A adoração da Santa Cruz

A segunda parte da cerimônia é dedicada à apresentação e adoração da Cruz, sinal da nossa Redenção. Este rito, originado em Jerusalém no século IV, quando Santa Helena descobriu a verdadeira Cruz, tem profundo significado teológico.

O rito se desenvolve de maneira impressionante. O celebrante, assistido pelo diácono e pelo subdiácono, dirige-se à credência no lado da Epístola, onde a Cruz está coberta por um véu negro. Tomando-a nas mãos, retorna para o lado da Epístola do altar e, voltando-se para o povo, descobre a parte superior da Cruz, de modo que apenas o cimo seja visível. Elevando-a ligeiramente, canta em tom moderado: “Ecce lignum Crucis, in quo salus mundi pependit” – “Eis o madeiro da Cruz, no qual esteve pendente a salvação do mundo”. O coro responde: “Venite, adoremus” – “Vinde, adoremos”, e todos se ajoelham por um momento.

O celebrante avança então para o meio do altar, descobre o braço direito da Cruz, deixando visível o braço horizontal, e repete o mesmo canto, uma nota mais alta. Finalmente, chega ao centro dos degraus do altar, voltado para o povo, descobre completamente a Cruz e canta pela terceira vez a mesma frase, agora em tom ainda mais elevado.

Este ritual gradual de revelação da Cruz simboliza a manifestação progressiva do mistério da Redenção ao longo da história da salvação: primeiramente anunciada obscuramente após a queda de Adão, depois mais claramente revelada pelos profetas, e finalmente plenamente manifestada na vinda de Cristo.

O desvelamento em três etapas também nos recorda que a Cruz é o trono da Santíssima Trindade, onde o Pai oferece seu Filho único pela salvação do mundo, onde o Filho se oferece voluntariamente, e onde o Espírito Santo, que é o Amor, consuma este sacrifício de amor.

Segue-se a adoração propriamente dita. O celebrante coloca a Cruz sobre um tecido e uma almofada nos degraus do altar. Depois, tirando seus calçados, aproxima-se dela, faz três genuflexões ao longo do caminho e beija a Cruz com profunda reverência. É notável que neste dia o sacerdote se descalça, lembrando as palavras de Deus a Moisés diante da sarça ardente: “Tira as sandálias de teus pés, porque o lugar em que estás é terra santa.” Após o celebrante, o diácono e o subdiácono, e em seguida todo o clero e os fiéis, procedem da mesma maneira, aproximando-se em procissão para venerar a Cruz do Salvador.

Durante a adoração, o coro canta os Impropérios – lamentações em que Cristo recorda os benefícios concedidos ao seu povo e como este lhe retribuiu com a Paixão. “Povo meu, que te fiz? Ou em que te contristei? Responde-me. Eu te tirei da terra do Egito, derrubei o Faraó no Mar Vermelho, e tu me entregaste aos príncipes dos sacerdotes. Povo meu, que te fiz? Ou em que te contristei? Responde-me.”

Estes impropérios, extraídos em parte das Escrituras e em parte da tradição litúrgica mais antiga, são de uma beleza comovente. O contraste entre os benefícios divinos e a ingratidão humana não deve apenas evocar o comportamento do povo judeu, mas também nos fazer refletir sobre nossa própria ingratidão para com Deus, que tantas vezes retribuímos com ofensas.

O canto alterna com o Trisagion, um antiquíssimo hino de adoração: “Deus Santo, Deus forte, Deus imortal, tende piedade de nós”, cantado alternadamente em grego e em latim, lembrando a universalidade da Igreja e a união entre Oriente e Ocidente no culto à Cruz.

Segue-se o hino “Pange lingua gloriosi lauream certaminis”, composto por Venâncio Fortunato no século VI, que celebra o triunfo da Cruz. Este magnífico poema exalta a árvore da Cruz como o mais nobre de todos os bosques, bem-aventurada por ter carregado o resgate do mundo, e convida-nos a contemplar seus braços como uma balança que sustenta o corpo do Salvador, o preço do mundo.

Este momento de adoração é um dos mais solenes e comoventes do ano litúrgico. Estamos diante daquele madeiro que, de instrumento de ignomínia e morte, tornou-se o trono da glória divina e a fonte da vida eterna. Por isso, aproximamo-nos com reverência e amor, reconhecendo que, como diz São Paulo, “nós não pregamos senão Jesus Cristo, e Jesus Cristo crucificado” (1 Cor II, 2).

V. A Missa dos Pré-santificados

A terceira parte da cerimônia é chamada de Missa dos Pré-santificados, porque não há consagração; comunga-se com uma hóstia consagrada na Missa da véspera.

Após a adoração da Cruz, ela é colocada sobre o altar. Em seguida, o diácono estende sobre o altar o corporal, como preparação para a recepção da Santíssima Eucaristia. O celebrante e os ministros dirigem-se em procissão ao lugar onde o Santíssimo Sacramento foi depositado na véspera (chamado de “sepulcro” ou “monumento”).

O diácono abre reverentemente a urna que contém o cálice com a Hóstia consagrada, que é então incensado pelo celebrante com profunda veneração. Este, revestido com o véu umeral, símbolo de sua indignidade para tocar diretamente tão grande mistério, toma o cálice com a Sagrada Hóstia e forma-se então uma solene e triunfal procissão eucarística de regresso ao altar principal. Esta procissão, que mantém o luto por Cristo morto, reveste-se de triunfo, pois leva o Corpo do Rei vitorioso que, mesmo na morte, já manifesta seu poder salvífico. O hino “Vexilla Regis” realça este aspecto glorioso com suas estrofes majestosas: “Avançam as bandeiras do Rei, resplandece o mistério da Cruz, na qual a Vida sofreu a morte, e pela morte nos deu a vida.” A Cruz, antes instrumento de suplício, agora é cetro real, estandarte de vitória. Assim, mesmo no dia da morte do Senhor, a liturgia já anuncia o triunfo do Rei da Glória que, tendo vencido a morte, restabelece seu trono para reinar eternamente.

De volta ao altar, o celebrante coloca a Hóstia sobre o corporal. O diácone coloca vinho no cálice, e o subdiácono acrescenta um pouco de água, mas sem as bênçãos habituais. O incenso é usado para incensar tanto a Hóstia quanto o altar.

Após o lavabo, o celebrante inclina-se no meio do altar e recita a oração “In spiritu humilitatis” – “Em espírito de humildade”. Voltando-se para o povo, diz: “Orate fratres” – “Orai, irmãos” – mas não se diz a resposta habitual.

Em seguida, omitindo todas as preces do cânon, o celebrante canta o Pater Noster, seguido somente pela oração “Libera nos” – “Livrai-nos”. Eleva a Hóstia sagrada para que o povo a adore, divide-a como de costume, mas não diz o “Pax Domini” – “A paz do Senhor”. Deixa cair uma partícula no cálice, mas sem dizer a oração habitual.

Recita apenas a terceira oração preparatória para a Comunhão, o “Perceptio Corporis tui” – “A recepção do teu Corpo” – e comunga com a Hóstia consagrada. Toma depois o vinho, no qual colocou uma partícula da Hóstia, mas este vinho não está consagrado. Faz as abluções habituais e, sem nenhuma oração posterior, retira-se em silêncio com seus ministros.

É digno de nota que nesta cerimônia, apenas o sacerdote celebrante comunga, enquanto os demais ministros e os fiéis se abstêm. Esta prática tradicional tem profundo significado simbólico. Em primeiro lugar, marca a diferença entre o sacerdote, que age in persona Christi, e portanto une-se sacramentalmente a ele pela comunhão, e os demais fiéis. Em segundo lugar, por ser um dia de luto, a Igreja convida os fiéis a um jejum mais rigoroso, que inclui a abstinência da comunhão sacramental, para que possam sentir mais vivamente a privação de Cristo. Assim como os discípulos ficaram privados da presença visível do Mestre após sua morte, assim também os fiéis experimentam uma espécie de “jejum eucarístico”. Além disso, a comunhão única do celebrante simboliza a solidão de Cristo na Cruz, abandonado por quase todos os seus discípulos exceto sua Mãe e São João. Esta prática, contudo, não impede que os fiéis façam sua comunhão espiritual, unindo-se interiormente ao sacrifício redentor e desejando ardentemente receber o Sacramento.

Tesouro espiritual da Liturgia da Sexta-Feira Maior

A liturgia tradicional da Sexta-Feira Santa, monumento da oração da Igreja sob a condução do Espírito Santo, constitui um verdadeiro tesouro espiritual. Podemos, nesse sentido, considerar alguns de seus aspectos mais notáveis:

1. A progressão da solenidade

Há uma notável progressão ao longo das cerimônias deste dia. A liturgia segue de perto os acontecimentos históricos da Paixão: inicia-se com a leitura da Paixão, que nos relembra o julgamento de Jesus; prossegue com a adoração da Cruz, que corresponde à crucificação; e culmina na Missa dos Pré-santificados, que representa a morte e sepultamento do Salvador.

2. A Cruz no centro

A Cruz é o centro de toda a liturgia deste dia. De objeto de horror, ela se torna para nós objeto de adoração. É significativo que este seja o único dia do ano em que nos prostramos verdadeiramente diante da Cruz e a beijamos. Este gesto expressa nossa fé na Redenção cumprida pelo sacrifício do Calvário. A liturgia nos impele a contemplar este madeiro não apenas como instrumento de suplício, mas como “escada do paraíso”, “trono de glória”, “árvore da vida”, segundo as belas expressões dos Padres da Igreja.

3. O silêncio eloquente

O silêncio é uma característica marcante da liturgia deste dia. Não há toques de campainha, nem órgão; os altares estão desnudos, o tabernáculo aberto e vazio. Este silêncio não é ausência, mas presença intensa do mistério. É o silêncio da adoração diante do inefável, do amor que contempla seu objeto sem precisar de palavras.

4. A universalidade da Redenção

As grandes orações de intercessão, uma das partes mais antigas desta liturgia, lembram-nos o alcance universal da Redenção. Cristo morreu por todos, e a Igreja intercede por todos: pelos fiéis e pelos infiéis, pelos convertidos e pelos que ainda não receberam a luz da fé. Neste dia, mais do que nunca, a Igreja exprime de forma patente sua catolicidade, estendendo seus braços para abraçar toda a humanidade e guiar a todos para o porto seguro da salvação.

5. A vida através da morte

Um dos paradoxos mais sublimes do cristianismo é celebrado hoje: a vida vem através da morte. A liturgia expressa este mistério desde a antífona das Laudes: “Ele foi posto na cruz, e o mundo tremeu; o bom ladrão exclamou: Lembrai-vos de mim, Senhor, quando entrardes em vosso reino”. Também através do contraste entre o luto exterior (paramentos negros, altar desnudo) e a esperança triunfante baseada na promessa da Ressurreição, que já se manifesta na solene procissão eucarística.

6. A Eucaristia, fruto da Cruz

A parte final da liturgia, a Missa dos Pré-santificados, recorda-nos o vínculo indissolúvel entre a Cruz e a Eucaristia. O sacrifício da Missa perpetua sacramentalmente o sacrifício do Calvário. Hoje, não celebramos a Missa porque estamos comemorando o próprio acontecimento cruento e histórico do qual a Missa é a renovação incruenta e sacramental. No entanto, a Igreja não renuncia ao culto e à comunhão eucarística, para significar que todos os frutos de graça que recebemos derivam deste sacrifício único que celebramos solenemente hoje.

Conclusão

A liturgia tradicional da Sexta-Feira Santa, em sua nobre simplicidade e em sua profundidade teológica, oferece-nos uma incomparável meditação sobre o mistério central de nossa fé: a Redenção pelo sacrifício da Cruz. Contemplando estas cerimônias veneráveis, não somos meros espectadores, mas testemunhas do amor infinito de Deus, que “não poupou seu próprio Filho, mas o entregou por todos nós” (Rm VIII, 32).

Através do simbolismo eloquente dos ritos, dos gestos, dos cantos, a Santa Igreja Romana nos educa na escola da Cruz. Ela nos convida a transferir para nossa vida cristã o que celebramos liturgicamente: a doação total, o amor sem limites, a obediência até a morte, a vitória pela humilhação.

Que a Sexta-Feira Maior não seja apenas uma comemoração histórica, mas uma união íntima ao mistério da Paixão, para que possamos um dia participar também da glória da Ressurreição. “Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos, porque pela vossa santa Cruz remistes o mundo.”

Ave crux, spes unica. Ave gaudium verum.

FONTES:
INTROIBO.FR. Commentaires liturgiques du Vendredi Saint
Dom Guéranger, l’Année Liturgique
Bhx Cardinal Schuster, Liber Sacramentorum 
Dom Pius Parsch, le Guide dans l’année liturgique

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Pe. Marcos Vinícius Mattke, IBP

A Quinta-feira Santa, conhecida liturgicamente como “Feria Quinta in Cœna Domini”, marca o início do Sagrado Tríduo Pascal, os três dias mais solenes do ano litúrgico católico. Neste dia, a Santa Romana Igreja comemora simultaneamente a instituição da Sagrada Eucaristia, a instituição do Sacerdócio e o mandamento da caridade fraterna, todos realizados por Nosso Senhor Jesus Cristo na véspera de sua Paixão. A liturgia tradicional da Quinta-feira Santa, tal como observada antes das reformas de Pio XII em 1955, apresenta uma beleza sublime e uma riqueza teológica que merece ser contemplada com reverência e devoção.

O Ofício de Trevas

O Ofício de Trevas, que compreende as Matinas e Laudes da Quinta-feira Santa, constitui o prelúdio do Tríduo Sagrado. Embora tecnicamente celebradas na manhã de quinta-feira, estas horas canônicas eram tradicionalmente antecipadas para a tarde ou noite de quarta-feira. O termo “Trevas” deriva não apenas da hora em que o ofício é celebrado, mas também do rito que o acompanha: um grande candelabro triangular com quinze velas é colocado no coro, e após cada salmo ou cântico, uma vela é extinta, simbolizando o abandono gradual que Cristo sofreu, primeiro por Judas, depois pelos demais apóstolos, e finalmente por quase todos os seus discípulos durante sua Paixão.

Durante este ofício, omitem-se todas as introduções habituais: o “Domine, labia mea aperies”, o “Deus, in adjutorium meum intende” e o “Gloria Patri” são suprimidos. Esta austeridade ritual reflete a desolação causada pelo pecado e a iminente Paixão do Salvador. No lugar destes elementos habituais, encontramos uma salmodia severa, leituras de lamentação e cantos lúgubres, como descreve Dom Guéranger.

As Lamentações de Jeremias, lidas no primeiro noturno, expressam sob a figura de Jerusalém destruída as lamentações da humanidade pecadora que deplora suas manchas e reconhece o justo castigo divino. Estas lamentações são cantadas num modo pleno de melancolia, que remonta à própria antiguidade judaica. As letras do alfabeto hebraico que dividem cada estrofe indicam a forma acróstica que o poema conserva no original, e são também cantadas, como os judeus faziam.

Os Responsórios, por sua vez, são de uma beleza poética incomparável, gradualmente conduzindo o fiel através dos eventos da Paixão de Cristo. No primeiro noturno, tratam principalmente da agonia no Jardim das Oliveiras; no segundo, de Judas e sua traição; no terceiro, do sono dos Apóstolos e dos planos deicidas dos judeus.

A última vela, aquela do topo do candelabro triangular, não é extinta, mas escondida por trás do altar durante a recitação do Miserere e da oração conclusiva. Este rito simboliza Cristo no sepulcro, temporariamente oculto mas não extinto. O som das batidas que se fazem nesse momento, chamado estrepida, representa o caos da natureza na morte do Criador, quando a terra tremeu, as rochas se fenderam e os sepulcros se abriram. Quando a vela é trazida de volta, simboliza a Ressurreição vindoura e a vitória de Cristo sobre a morte.

A reconciliação dos penitentes públicos

Reservada para o dia de hoje no Pontifical Romano, a reconciliação solene dos penitentes públicos é uma das cerimônias mais comoventes da liturgia da Quinta-feira Santa. Os penitentes, que haviam sido excluídos da assembleia dos fiéis na Quarta-feira de Cinzas, eram readmitidos na comunhão da Igreja após completarem seus atos de penitência quaresmal.

A cerimônia se desenvolvia em etapas dramáticas: os penitentes, vestidos pobremente e de pés descalços, permaneciam prostrados diante das portas da igreja enquanto o bispo e o clero recitavam os sete Salmos Penitenciais e as Ladainhas dos Santos. Três vezes durante as litanias, mensageiros eram enviados aos penitentes com anúncios de misericórdia, cada vez mais encorajadores.

Na primeira vez, dois subdiáconos saíam para dizer aos penitentes: “Eu vivo, diz o Senhor; não quero a morte do pecador, mas que se converta e viva”. Na segunda, outros dois subdiáconos levavam a mensagem: “O Senhor diz: Fazei penitência, pois o reino dos céus aproxima-se”. Na terceira, um diácono mais antigo anunciava: “Levantai vossas cabeças; vossa redenção está próxima”. Ao mesmo tempo, ele acendia com seu grande círio os círios dos penitentes, simbolizando o retorno da luz da graça.

O bispo então se dirigia ao umbral da igreja e pronunciava uma exortação aos penitentes, chamando-os com ternura: “Vinde, vinde, vinde, meus filhos; escutai-me, ensinar-vos-ei o temor do Senhor”. Os penitentes se prostravam três vezes, erguendo-se a cada vez ao comando do diácono.

Seguia-se a entrada solene na igreja: o bispo tomava um dos penitentes pela mão, este segurava a mão do seguinte, e assim por diante, formando uma corrente humana que entrava na igreja enquanto se cantava a antífona do Salmo XXXIII: “Aproximai-vos dele e sereis iluminados, e vossos rostos não serão confundidos”.

Após a prostração dos penitentes, o arcipreste intercedia por eles junto ao bispo, e este procedia então com seis longas orações solenes seguidas da absolvição: “Que o Senhor Jesus Cristo, que se dignou apagar todos os pecados do mundo entregando-se por nós e derramando seu puríssimo sangue… vos absolva, pelos méritos de seu sangue derramado para a remissão dos pecados, de tudo o que haveis cometido em pensamentos, palavras e obras”.

Finalmente, o bispo aspergia os penitentes com água benta e os incensava, dizendo: “Levantai-vos, vós que dormis; levantai-vos dentre os mortos, e Cristo vos iluminará”. Os penitentes então deixavam suas vestes de penitência e vestiam-se dignamente para participar do banquete eucarístico com os demais fiéis.

A Missa da Ceia do Senhor

A Missa da Ceia do Senhor marca o cume das celebrações da Quinta-feira Santa. Diferentemente das missas dos dois dias seguintes, esta é celebrada com esplendor festivo: os paramentos são brancos, o altar está adornado festivamente e o “Gloria in excelsis Deo” é cantado solenemente, acompanhado pelo repique festivo dos sinos, que em seguida silenciam até a Vigília Pascal.

Esta justaposição de alegria e tristeza – os paramentos brancos e o Gloria, por um lado, e a omissão do ósculo da paz e o silêncio dos sinos por outro – reflete o caráter paradoxal deste dia: a instituição do Sacramento do Amor nas vésperas da Paixão. Com efeito, na Santa Ceia é celebrada a primeira missa, ou seja, já é o Sacrifício Incruento do Calvário antecipado sacramentalmente, evidenciando a unidade da Paixão.

O Introito retoma as palavras de São Paulo: “Nós devemos gloriar-nos na Cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo”, revelando que já neste início da celebração, a Igreja vê para além da Paixão, contemplando o triunfo da Redenção. A Coleta evoca o contraste entre dois pecadores: Judas, condenado por sua traição, e o bom ladrão, perdoado por sua fé. Esta oração, que será repetida na Sexta-feira Santa, constitui uma advertência solene sobre as disposições necessárias para receber dignamente os frutos da Paixão.

A Epístola, retirada da Primeira Carta aos Coríntios (XI, 20-32), narra a instituição da Eucaristia e nos adverte sobre o perigo da comunhão indigna. São Paulo nos ensina que a Missa é um verdadeiro sacrifício comemorativo do Calvário e que, para participar dos seus frutos, devemos “examinar-nos” e evitar toda mancha de pecado.

O Gradual, composto das mesmas palavras de São Paulo que abriram a Missa, celebra a obediência de Cristo até a morte de cruz e sua consequente exaltação pelo Pai.

O Evangelho (São João XIII, 1-15) relata o lava-pés, ato de humildade suprema pelo qual Cristo nos ensina que devemos servir uns aos outros com amor. Jesus lava os pés dos discípulos não apenas como exemplo de humildade, mas também para significar a pureza necessária para receber a Eucaristia: “Quem já se banhou só precisa lavar os pés”.

No Ofertório, os penitentes recém-reconciliados podem exclamar com o salmista: “Não morrerei, mas viverei, e narrarei as obras do Senhor”, exprimindo a alegria da reconciliação e a gratidão pelo dom da vida nova.

No dia da instituição do Santo Sacrifício, apenas uma Missa é celebrada em cada igreja, cantada pelo sacerdote de maior dignidade, enquanto os demais clérigos comungam da mão do celebrante principal, manifestando assim a unidade do sacerdócio católico.

A Santa Igreja proíbe, neste dia, a celebração de missas privadas, para melhor exprimir a unidade do Sacrifício e a caridade manifestada na Sagrada Comunhão. Todos os sacerdotes se avançam para o altar, revestidos da estola, insígnia de seu sacerdócio, para receber o Corpo do Senhor das mãos do celebrante, como os Apóstolos o receberam de Cristo no Cenáculo.

A consagração dos Santos Óleos

Nas igrejas catedrais, durante a Missa da Quinta-feira Santa, o Bispo procede à consagração dos três Santos Óleos que serão utilizados na administração dos sacramentos durante o ano: o Óleo dos Enfermos, o Óleo dos Catecúmenos e o Santo Crisma.

Esta função é revestida de um aparato incomum: doze presbíteros em casula, sete diáconos e sete subdiáconos, todos revestidos das vestes de suas ordens, assistem ao pontífice. Como explica o Pontifical Romano, os doze sacerdotes são testemunhas e cooperadores do santo Crisma.

A Missa começa e prossegue com os ritos próprios do dia, mas antes de concluir a oração do Cânon que precede o Pai Nosso, o Bispo interrompe a celebração e desce do altar. Ele se dirige à mesa onde foi colocada a âmpola com o óleo que será bento para o serviço dos moribundos. Após um exorcismo para afastar toda influência maligna, ele abençoa o óleo com estas palavras:

“Enviai, Senhor, do alto dos céus, vosso Espírito Santo Paráclito sobre este óleo que Vos dignastes produzir de uma árvore fecunda, e que se torne próprio para aliviar a alma e o corpo. Que vossa bênção faça dele um medicamento celeste que nos proteja, que afaste nossas dores, nossas enfermidades, nossas doenças da alma e do corpo; pois Vos servistes do óleo para consagrar vossos Sacerdotes, vossos Reis, vossos Profetas e vossos Mártires.”

Depois desta bênção, o subdiácono leva a ampola com reverência, e o Pontífice retorna ao altar para completar o Sacrifício. Após distribuir a santa comunhão ao clero presente, o bispo procede então à bênção dos outros santos óleos. Os doze sacerdotes, os sete diáconos e os sete subdiáconos se dirigem ao local onde estão depositadas as duas outras ampolas: uma contém o óleo que se tornará o Crisma da salvação, e a outra, o óleo que será santificado como Óleo dos Catecúmenos.

O Bispo abençoa primeiro o bálsamo, chamando-o “lágrima odorante saída da casca de um ramo feliz”, e o mistura com um pouco de óleo. Em seguida, procede à bênção do Óleo do Crisma, soprando sobre ele três vezes em forma de cruz. Os doze sacerdotes fazem o mesmo gesto, significando a comunicação do Espírito Santo, que é figurado pelo sopro em razão de seu nome, Spiritus, πνεῦμα ἅγιον

O magnífico Prefácio que o Bispo canta então remonta aos primeiros séculos da Igreja. Ele celebra o óleo como fruto da oliveira, símbolo de paz desde o dilúvio, quando a pomba trouxe o ramo de oliveira a Noé. Recorda que Deus ordenou a Moisés que ungisse seu irmão Aarão como sacerdote, mas sobretudo evoca o batismo de Cristo no Jordão, quando o Espírito Santo desceu sobre ele em forma de pomba, designando-o como o Ungido por excelência, aquele que o profeta David já celebrara como destinado a receber “a unção do óleo da alegria acima de todos os seus companheiros”.

Concluído o Prefácio, o Bispo derrama o bálsamo no óleo, completando assim a consagração do Crisma. Para honrar o Espírito Santo que operará por este óleo sacramental, ele saúda a ampola que o contém, dizendo: “Salve, santo Crisma”. Os doze sacerdotes fazem o mesmo, repetindo por três vezes esta saudação, com genuflexões de crescente profundidade.

Por fim, o Bispo procede à bênção do Óleo dos Catecúmenos, com exorcismos e orações semelhantes. Entre suas virtudes, destaca-se a de “recompensar os progressos nas almas e confirmar, pela virtude do Espírito Santo, o esboço já começado nelas”. O Bispo e os doze sacerdotes saúdam também esta ampola, dizendo: “Salve, óleo santo”.

As ampolas são então levadas em procissão solene ao local onde serão conservadas com honra, cobertas de envoltórios de seda: branco para o santo Crisma e violeta para o óleo dos Catecúmenos.

A procissão ao sepulcro

Após a Missa, o celebrante consagra uma segunda hóstia, que será consumida na Missa dos Pré-santificados da Sexta-feira Maior. Esta hóstia, juntamente com a reserva eucarística para os enfermos, é levada em solene procissão a um altar ricamente ornamentado, comumente chamado de “sepulcro”.

A piedade católica transforma este momento, que poderia parecer de luto, em um triunfo para a augusta Eucaristia. Em cada templo, prepara-se um sepulcro preciosamente ornado para receber o Rei dos Reis, onde o corpo do divino Esposo repousará sob véus, consolado pelos votos e adorações dos fiéis. Todos virão honrar o repouso do Homem-Deus; como diz o próprio Cristo: “Onde estiver o corpo, as águias se reunirão”. De todos os pontos do mundo católico, um concerto de orações vivas e afetuosas, mais intensas que em qualquer outro tempo do ano, dirigir-se-á a Jesus, como uma singela reparação pelos ultrajes que Ele recebeu dos judeus nessas mesmas horas.

Durante a procissão, canta-se o hino “Pange lingua gloriosi”, composto por São Tomás de Aquino em honra ao Santíssimo Sacramento. Este momento é marcado por um profundo paradoxo litúrgico: por um lado, Cristo é conduzido em triunfo eucarístico; por outro, esta translação prefigura sua condução ao sepulcro após o sacrifício do Calvário.

Chegando ao local onde deve ser depositada a Hóstia santa, o celebrante a incensa, o diácono toma o cálice que a contém e o encerra para subtraí-lo a todos os olhares. Reza-se por alguns instantes, e logo o cortejo retorna ao coro em silêncio, iniciando-se imediatamente as Vésperas.

Na tradição católica, os fiéis são encorajados a permanecer em adoração ao longo da noite diante do Santíssimo Sacramento recolhido ao “sepulcro”, em memória da agonia de Cristo no Jardim das Oliveiras. Conforme as palavras do próprio Salvador: “Não pudestes vigiar uma hora comigo?”

O desnudamento dos altares

Após a transladação da Eucaristia e o término das Vésperas, que neste dia são recitadas sem canto e sem a menor inflexão, como sinal de luto da Igreja viúva de seu Esposo, procede-se ao impressionante rito do desnudamento dos altares.

O celebrante, revestido da alva, estola e manípulo roxos, assistido pelo diácono e subdiácono, retorna ao altar-mor e, com seu auxílio, retira as toalhas que cobrem e ornam a mesa sagrada. Este rito lúgubre anuncia que o Sacrifício está suspenso.

O altar permanecerá nu e despojado até que a oferenda cotidiana possa ser novamente apresentada à Majestade divina, o que só ocorrerá quando o Esposo da santa Igreja, vencedor da morte, sair vivo do seio do túmulo. Neste momento, porém, Ele está nas mãos dos judeus que vão despojá-lo de suas vestes, assim como nós despojamos o altar. Ele vai ser exposto nu aos ultrajes de todo um povo deicida.

Durante esta cerimônia, recita-se o salmo XXI: “Repartiram entre si as minhas vestes, e sobre a minha túnica lançaram sortes”, profecia messiânica que se cumpriu quando os soldados dividiram as vestes de Cristo ao pé da cruz.

Após despojar o altar-mor, o celebrante se dirige aos demais altares da igreja, retirando igualmente as toalhas que os cobriam. A imagem da desolação está por toda parte. O próprio tabernáculo perdeu seu hóspede divino. O cibório, no qual se reserva a divina hóstia para o viático dos moribundos, foi transportado ao repositório, junto do cálice que contém o corpo do Senhor. Tudo é mudo, tudo é glacial no templo santo. A majestade de nosso Deus retirou-se para o santuário afastado onde repousa a Vítima universal; e só nos aproximamos deste asilo misterioso com o silêncio do respeito e da compunção.

O Mandatum ou Lava-pés

A cerimônia do Mandatum (do latim “mandatum novum”, “mandamento novo”), ou lava-pés, constitui o último rito da Quinta-feira Santa. Realizada tradicionalmente nas catedrais, mosteiros e demais igrejas colegiadas. Esta cerimônia comemora o gesto de humildade de Cristo que, antes da Última Ceia, lavou os pés de seus discípulos.

Na Idade Média, o Papa, tendo terminado o santo Sacrifício, dirigia-se à basílica de São Lourenço, posteriormente chamada Sancta Sanctorum, onde, tendo deposto a casula, lavava os pés de doze subdiáconos. Durante este tempo, os cardeais, os diáconos e a Schola cantavam as Vésperas. Seguia-se uma ampla distribuição de esmolas, como se fazia então em cada solenidade. Chegada a noite, todos iam jantar na basílica ou triclínio do papa Teodoro, que se elevava não longe do oratório de São Silvestre.

O celebrante, cingido com um linho à maneira de um servo, lava, enxuga e beija os pés de doze homens, geralmente pobres, enquanto se cantam antífonas alusivas ao amor fraterno. Primeiramente, lê-se o Evangelho da Missa, que narra a ação do Salvador. Após o Evangelho, o celebrante se despe do pluvial, é cingido de um linho e se dirige aos pobres cujos pés deve lavar. Ajoelha-se diante de cada um e lava-lhes os pés, beijando-os após lavá-los.

Durante todo este tempo, o coro canta belas antífonas que exaltam a caridade fraterna, culminando com o belíssimo cântico “Ubi caritas et amor, Deus ibi est” (Onde há caridade e amor, Deus aí está): “Onde se encontram a caridade e o amor, Deus está presente. Rejubilemo-nos e exultemos nele! Temamos e amemos o Deus vivo E amemo-nos uns aos outros com coração puro.”

Este rito não é mera representação histórica, mas exortação prática a viver o mandamento do amor fraterno, indissociável do culto eucarístico. Se não podemos imitar Cristo na instituição da Eucaristia, devemos imitá-lo no serviço humilde aos irmãos.

Em algumas dioceses, era costume que o bispo ou abade, após o lava-pés, oferecesse um banquete aos doze pobres, servindo-os pessoalmente à mesa, completando assim a lição de humilde caridade iniciada no lava-pés.

O tesouro espiritual abandonado pelas reformas

A magnífica liturgia da Quinta-feira Santa que acabamos de descrever constitui um verdadeiro tesouro espiritual e teológico, forjado por séculos de piedade católica e impregnado do sensus fidei do povo cristão. Infelizmente, as reformas litúrgicas implementadas após o Concílio Vaticano II desmantelaram em grande parte esta herança sagrada em nome de uma suposta prioridade da catequese sobre culto.

Como tantas vezes denunciou Dom Marcel Lefebvre, a reforma litúrgica de 1969 não constituiu apenas uma modificação de formas exteriores, mas uma verdadeira ruptura com a tradição católica. Os ricos simbolismos, a dignidade hierárquica, o sentido do sagrado e do mistério, e sobretudo a clara expressão do dogma católico sobre o Santo Sacrifício, foram gravemente diluídos no próprio rito.

Para Dom Lefebvre, esta reforma litúrgica não foi acidental, mas parte de um plano deliberado para enfraquecer a fé católica e aproximá-la do protestantismo. A supressão dos ritos solenes, dos gestos de reverência, das expressões claras do sacrifício expiatório, constituiu um ataque frontal à ortodoxia dogmática, pois, como ensina a tradição católica, “lex orandi, lex credendi” – a lei da oração é a lei da fé.

A restauração do rito romano tradicional não é, portanto, mera questão de preferência estética ou nostalgia pelo passado. É, antes, uma necessidade vital para a transmissão integral da fé católica. Como ensinou São Pio X, a liturgia é a fonte primária do verdadeiro espírito cristão. Uma liturgia ambígua e dessacralizada não pode alimentar adequadamente a fé robusta que os tempos atuais exigem.

Não se trata de um combate por uma forma ritual preferida, mas pela própria fé católica. Os ritos sagrados da Quinta-feira Santa, com seu profundo simbolismo e sua clara expressão dos dogmas centrais da fé, constituem um patrimônio insubstituível que deve ser preservado e transmitido às gerações futuras.

Conclusão

A sublime liturgia da Quinta-feira Santa, tal como cuidadosamente desenvolvida ao longo dos séculos e praticada antes das reformas de 1955, constitui um monumento incomparável de piedade católica. Ela expressa com clareza e beleza os mistérios centrais de nossa fé: a presença real de Cristo na Eucaristia, o caráter sacrificial da Missa, a instituição do sacerdócio e o mandamento do amor fraterno.

O perdão aos penitentes, o santo óleo dos batizados, o crisma do Paráclito sobre a fronte dos cristãos, o óleo de consolação sobre os membros dos moribundos, a divina Eucaristia no coração de todos os fiéis: que mistérios inefáveis de misericórdia neste dia da Ceia de Jesus, quando Ele derrama a plenitude do seu Coração e, embora nos tenha sempre amado, in finem dilexit nos, ama-nos desmedidamente, até a cruz, até a morte.

Conhecer, amar e, quando possível, unir-se à liturgia tradicional é privilégio inestimável para todo católico que busca aprofundar sua fé. Nas palavras do próprio São Pio X, “a participação nos mistérios sacrossantos e na oração pública e solene da Igreja constitui a fonte primária do verdadeiro espírito cristão” (Tra le sollecitudini, 22 de novembro de 1903).

Ao celebrarmos a Quinta-feira Santa, acerquemo-nos dos santos mistérios com fé viva e fervorosa devoção, unindo-nos aos Apóstolos no Cenáculo, a todos os santos ao longo dos séculos e à Igreja Triunfante no céu, na contemplação e adoração do admirável e inefável Sacramento do Altar.

FONTES:
INTROIBO.FR. Commentaires liturgiques du Jeudi Saint
Dom Guéranger, l’Année Liturgique
Bhx Cardinal Schuster, Liber Sacramentorum
Dom Pius Parsch, le Guide dans l’année liturgique

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ÁLBUM FOTOGRÁFICO DO DOMINGO DE RAMOS EM BRASÍLIA-DF

Pe. Marcos Vinicius Mattke,  IBP

O Domingo de Ramos marca a entrada solene na Semana Santa, a semana das semanas que contém os mistérios mais sublimes de nossa Redenção. Como diria Dom Guéranger, este dia santo contém uma dualidade admirável: “a alegria, unindo-se às aclamações que ressoam na cidade de David; a tristeza, retomando logo o curso de seus gemidos sobre as dores de seu Esposo divino.” Neste dia santo, a Igreja comemora dois acontecimentos aparentemente contraditórios: o triunfo de Nosso Senhor em Sua entrada em Jerusalém e o início de Sua Paixão santíssima.

A Tríplice estrutura do Rito

A liturgia do Domingo de Ramos divide-se em três partes distintas mas organicamente unidas:

  1. A bênção dos ramos
  2. A solene procissão
  3. A Santa Missa com o canto da Paixão

Cada elemento desta tríplice estrutura possui um significado espiritual próprio que, juntos, formam uma preparação completa para os mistérios da Semana Santa. Como observa Dom Parsch, o drama sagrado deste dia se desenrola em três locais: o Monte das Oliveiras (para a bênção dos ramos), o caminho para Jerusalém (para a procissão), e a cidade santa (para a Santa Missa).

As três cerimônias são celebradas com paramentos de cor roxa, pois apesar do caráter triunfal da entrada de Cristo em Jerusalém dia, a Santa Romana Igreja já se encontra imersa no tempo da Paixão. O roxo, cor da penitência e do sofrimento, lembra-nos que estamos seguindo Cristo em Sua caminhada para o Calvário. Mesmo durante a bênção dos ramos e a procissão, que celebram a entrada triunfal de Cristo na cidade Santa, os paramentos roxos nos recordam que este triunfo é apenas um prelúdio para o grande drama da Redenção que se desenrolará nos próximos dias.

Primeira parte: a bênção dos ramos

A liturgia começa de maneira triunfal, anunciando a realeza de Cristo. A antífona de entrada, que serve como um Introito para esta primeira parte, proclama: Hosanna ao Filho de David! Bendito seja aquele que vem em nome do Senhor. Ó Rei de Israel! Hosanna nas alturas!”

A bênção dos ramos é estruturada de maneira semelhante à Santa Missa, com Oração, Epístola, Gradual, Evangelho e Prefácio, mas sem Ofertório, Consagração ou Comunhão. Como observa o Cardeal Schuster, “a bênção dos ramos conserva para nós o antigo tipo das reuniões alitúrgicas, isto é, das reuniões realizadas para a recitação do ofício divino, a instrução dos fiéis, etc., sem a oferta do santo Sacrifício.”

O sacerdote começa com uma oração que já antecipa os grandes mistérios da semana maior: “Ó Deus que nos devemos amar para ser justos, multiplicai em nós os dons de vossa graça inefável: pela morte de vosso Filho, vós nos destes direito de esperar o que é objeto de nossa fé; fazei-nos chegar, por sua ressurreição, ao termo para o qual aspiramos.”

Na leitura da Epístola, tirada do livro do Êxodo (Ex. XV, ,27; XVI, 1-7), somos transportados ao deserto, onde os filhos de Israel, após a saída do Egito, acamparam sob 70 palmeiras em Elim. Ali encontraram doze fontes, que prefiguram os doze apóstolos, de quem emana a água da doutrina salvadora. Como observa Dom Guéranger, “todas estas figuras se cumprem no povo cristão. Por uma sincera conversão, os fiéis romperam com o Egito que representa o mundo.” As doze fontes figuram o Batismo que será conferido aos catecúmenos, e o maná do céu prefigura Jesus, Pão da Vida, que ressuscitará no Domingo de Páscoa.

Após a Epístola, canta-se um dos dois responsórios, que já nos conduzem ao drama da Paixão. O primeiro, tirado de São João (XI, 47-53), recorda a decisão tomada no sinédrio, sob a presidência de Caifás, de condenar Jesus à morte: “É melhor que um só homem morra pelo povo, que pereça toda a nação.” O segundo, tirado de São Mateus (XXVI, 39-41), lembra-nos a agonia de Jesus no Jardim das Oliveiras: “Pai, se é possível, afasta de mim este cálice. Contudo, não se faça a minha, mas a tua vontade.”

O Evangelho desta primeira parte, tirado de São Mateus (XXI, 1-9), nos relata a entrada triunfal de Cristo em Jerusalém. Este evento fora anunciado pelo profeta Zacarias: “Exulta de alegria, filha de Sião, rejubila, filha de Jerusalém: eis que o teu rei vem a ti; ele é justo e vitorioso, humilde, montado sobre um jumento, sobre um jumentinho, filho de uma jumenta” (Zc. IX, 9). Como explica Dom Guéranger, a jumenta e o jumentinho têm um significado simbólico: “A jumenta representa o povo judeu, que há muito estava sob o jugo da Lei; o jumentinho, sobre o qual, diz o Evangelho, nenhum homem havia montado ainda, representa a gentilidade, que ninguém havia domado até então.” Jesus monta sobre o jumentinho, prefigurando como os gentios tomariam o lugar do povo judeu na Nova Aliança.

Após o Evangelho, seguem-se as orações solenes de bênção dos ramos. Segundo o costume romano, antes da anáfora consecratória dos ramos, há uma oração semelhante à secreta da missa: “Aumentai, ó Deus, a fé daqueles que esperam em vós, e atendei propício às súplicas dos que vos imploram. Que a vossa misericórdia desça abundantemente sobre nós; sejam igualmente benzidos estes ramos de palmeira e de oliveira; e assim como, para prefigurar a Igreja, concedestes uma descendência numerosa a Noé, ao sair da arca, e a Moisés, ao sair do Egito com os filhos de Israel, que também nós, levando em nossas mãos palmas e ramos de oliveira, possamos, por meio de uma vida santa, ir ao encontro de Cristo, e que, pelos seus méritos, sejamos dignos de entrar na alegria eterna.”

O sacerdote entoa então o Prefácio, no qual a Santa Igreja glorifica a Deus, reconhecendo que “todas as criaturas vos obedecem; não só toda coisa criada proclama o vosso louvor, mas também os vossos santos vos bendizem de maneira especial quando confessam livremente diante dos reis e potestades deste mundo o grande nome de vosso Filho único”. Este Prefácio, profundamente anti-ariano, afirma a doutrina católica da consubstancialidade do Filho com o Pai, verdade que será reafirmada na Epístola da Missa.

Após o Sanctus, seguem-se seis belíssimas orações, muito antigas, que explicam o simbolismo dos ramos e invocam a proteção divina sobre aqueles que os levarem consigo. Na primeira delas, pede-se: “Abençoai, nós vos pedimos, Senhor, estes ramos de palmeira e de oliveira, e fazei que o que vosso povo hoje executa corporalmente para vossa honra, o realize espiritualmente com a maior devoção, alcançando a vitória sobre o inimigo e amando ardentemente a obra de misericórdia.”

O padre asperge então os ramos com água benta e os incensa, completando assim sua benção. Como explica Dom Guéranger, “esses ramos de árvores, objeto da primeira parte da função, recebem, por essas orações acompanhadas do incenso e da aspersão da água santa, uma virtude que as eleva à ordem sobrenatural e as torna próprias a ajudar na santificação de nossas almas e na proteção de nossos corpos e de nossas moradas.”

Segunda parte: a procissão solene

Após a distribuição dos ramos aos fiéis, começa a segunda parte da liturgia: a solene procissão. Como observa Dom Guéranger, “ela tem por objeto representar a marcha do Salvador para Jerusalém e sua entrada nesta cidade.” Ela é o início da paixão e do calvário, donde os paramentos roxos próprio do tempo da paixão. O diácono, voltando-se para o povo, anuncia: “procedamus in pace”, ao que o coro responde: “in nomine Christi. Amen”.

Durante a procissão, cantam-se várias antífonas que evocam a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém. Entre elas: “Os filhos dos hebreus, levando ramos de oliveira, foram ao encontro do Senhor, clamando e dizendo: Hosanna nas alturas!” e “Os filhos dos hebreus estendiam suas vestes pelo caminho e clamavam, dizendo: Hosanna ao Filho de David; bendito o que vem em nome do Senhor!”

Como explica Dom Guéranger, “entre os judeus, ter nas mãos ramos de árvores era sinal de alegria; e a lei divina sancionava para eles este uso.” No livro do Levítico, Deus ordenara para a festa dos Tabernáculos: “No primeiro dia da festa, tereis em vossas mãos frutos dos mais belos árvores; levareis ramos de palmeira, ramos cobertos de folhas… e vos alegrareis na presença do Senhor vosso Deus” (Lv. XXIII, 40). Assim, ao levarmos ramos nas mãos, não apenas comemoramos a entrada de Jesus em Jerusalém, mas também proclamamos nossa alegria pela salvação que Ele nos trouxe.

Um momento importante da cerimônia ocorre quando a procissão retorna à igreja e encontra as portas fechadas. Como explica Dom Guéranger, “esta cena misteriosa tem por objetivo retraçar a entrada do Salvador em uma outra Jerusalém, da qual a terrestre era apenas figura. Esta Jerusalém é a pátria celeste da qual Jesus nos proporcionou a entrada. O pecado do primeiro homem havia fechado suas portas; mas Jesus, o Rei da glória, as reabriu pela virtude de sua Cruz.”

As portas fechadas representam o Paraíso, fechado pelo pecado original. O subdiácono bate três vezes na porta com o pé da cruz, simbolizando como Cristo, por Sua Cruz, reconquistou para nós o acesso ao céu. Durante este momento solene, canta-se o belo hino “Gloria, laus et honor”, composto pelo bispo Teodulfo de Orleans enquanto estava preso em Angers, por ordem de Luís, o Piedoso, no início do século IX. A Santa Romana Igreja, adotando as seis primeiras estrofes deste poema, tornou-o célebre em todo o mundo. Este hino é cantado alternadamente: os cantores dentro da igreja entoam a primeira estrofe, e o coro do lado de fora responde com o refrão. Este canto alternado simboliza o diálogo entre a Igreja triunfante no céu e a Igreja militante na terra, unidas no louvor a Cristo.

Quando as portas finalmente se abrem, a procissão entra na igreja cantando o responsório “Ingrediente Domino” (“Ao entrar o Senhor na cidade santa, os filhos dos hebreus, prenunciando a ressurreição da vida, com ramos de palmeira, clamavam: Hosanna nas alturas. Quando o povo ouviu que Jesus vinha a Jerusalém, saíram ao seu encontro com ramos de palmeira, clamando: Hosanna nas alturas”). Este canto já alude à ressurreição, mostrando que a Igreja nunca separa a Cruz da glória pascal.

Terceira Parte: A Santa Missa e o canto da Paixão

Ao entrar na igreja, deixamos para trás os cânticos de alegria e iniciamos imediatamente a Santa Missa da Paixão. A transição é abrupta e chocante, recordando-nos que o mesmo povo que aclamou Cristo com hosannas no domingo, gritaria “Crucifica-O!” na sexta-feira.

Em Roma, a estação era originalmente na Basílica de São João de Latrão, a catedral do Papa, “Mãe e Cabeça de todas as igrejas.” Como explica o Cardinal Schuster, “era de regra, na Idade Média, que as grandes cerimônias da semana pascal se celebrassem junto à residência pontifícia, no palácio dos Laterani.” Mais tarde, a estação passou para a Basílica de São Pedro, mas isso não prejudica os direitos da arquibasílica lateranense, que conserva as indulgências concedidas àqueles que a visitam neste dia.

O Introito da Missa, tirado do Salmo XXI, já nos coloca no meio da Paixão: “Senhor, não afasteis de mim o vosso socorro; atendei à minha defesa. Livrai-me da boca do leão e salvai a minha fraqueza das pontas dos unicórnios.” Como observa o Cardinal Schuster, este salmo “representa o paroxismo da Paixão: o abandono do Senhor na Cruz.” Ao recitá-lo, somos transportados em espírito ao Gólgota, onde Jesus, em seu abandono extremo, iniciou este mesmo salmo: “Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?”

A Coleta da Missa pede a graça de imitar a humildade de Cristo: “Ó Deus onipotente e eterno, que, para dar ao gênero humano um exemplo de humildade, fizestes o nosso Salvador encarnar-se e sofrer o suplício da cruz, concedei-nos a graça de aproveitarmos os ensinamentos de Sua paciência e de participarmos da Sua ressurreição.” Esta oração, de uma delicadeza de composição, explica o significado profundo desta semana: Jesus crucificado é como um livro, no qual a alma lê tudo o que Deus deseja dela para torná-la santa.

A Epístola, tirada da carta de São Paulo aos Filipenses (2,5-11), é um profundo hino cristológico que contrasta a majestade divina de Cristo com Sua humilhação voluntária. São Paulo descreve o mistério da κένωσις, o “aniquilamento” do Verbo, que, sendo Deus, assumiu a condição de servo e se humilhou até a morte de cruz. Mas este abaixamento é seguido imediatamente pela exaltação: “Por isso, Deus o exaltou soberanamente e lhe deu o Nome que está acima de todo nome, para que ao nome de Jesus todo joelho se dobre no céu, na terra e nos infernos, e toda língua confesse, para glória de Deus Pai, que Jesus Cristo é o Senhor.”

Durante a leitura desta Epístola, há um momento solene: quando o subdiácono pronuncia as palavras “para que ao nome de Jesus todo joelho se dobre”, todos os fiéis se ajoelham. Como explica Dom Guéranger, “a santa Igreja nos prescreve dobrar o joelho no momento desta Epístola em que o Apóstolo diz que todo joelho deve se dobrar quando o nome de Jesus é pronunciado. Compreendamos que, se há uma época no ano em que o Filho de Deus tenha direito a nossas mais profundas adorações, é sobretudo nesta Semana, em que sua divina majestade é violada.”

O Gradual, tirado do Salmo LXXII, preludia já o triunfo do próximo domingo: “Por pouco meus pés não vacilaram, pois me irritei contra os pecadores, vendo a paz dos ímpios. Tu, porém, Senhor, me tomaste pela mão, me conduziste segundo a tua vontade, e me recebeste com glória.” Como explica o Cardinal Schuster, “a mão do Todo-Poderoso sempre guiou seu Filho único; ela o conduziu pelo caminho da vida e o coroou na glória triunfal de sua ressurreição e de sua ascensão ao céu.”

O Tracto, ou salmo in directum, é o Salmo XXI em sua íntegra, onde se descrevem a agonia dilacerante de Cristo e seus sentimentos de humildade, desolação interior e confiante abandono em Deus. Este salmo, como observa Dom Parsch, é “diretamente messiânico, quer dizer, trata no sentido literal da Paixão de Cristo.” Nele encontramos profecias literais que se cumpriram exatamente no Calvário: “Traspassaram minhas mãos e meus pés, posso contar todos os meus ossos. Repartiram entre si as minhas vestes, e sobre a minha túnica lançaram sortes.”

O momento mais solene da Missa é, sem dúvida, o canto da Paixão segundo São Mateus. Como explica Dom Guéranger, desde o século VI, “a Igreja adotou um recitativo particular para esta narração do Santo Evangelho, que se torna assim um verdadeiro drama.” Três diáconos participam deste canto: um assume o papel do Cronista, narrando os fatos em tom sereno e inabalável; outro representa Cristo, cujas palavras têm um acento grave, de uma autoridade nobre e doce; o terceiro assume as falas estridentes, patéticas e confusas de todos os outros interlocutores e dos clamores pérfidos da população judaica.

Durante o canto da Paixão, todos os assistentes devem segurar seus ramos nas mãos, “a fim de protestarem, por este emblema de triunfo, contra as humilhações de que o Redentor é objeto por parte de seus inimigos.” Como explica Dom Guéranger, “é no momento em que, em seu amor por nós, ele se deixa pisotear pelos pés dos pecadores, que devemos proclamá-lo mais alto nosso Deus e nosso soberano Rei.” Após a narrativa da morte de Cristo, há uma pausa solene: todos se ajoelham e permanecem em silêncio por um momento, para honrar, por um ato solene de luto, a morte do Salvador dos homens.

Para que a Missa não fique privada de um rito essencial, que consiste na leitura solene do Evangelho, o diácono reserva uma última parte da narrativa. Ele se aproxima do altar, faz benzer o incenso pelo celebrante e recebe a bênção. Dirigindo-se ao norte, acompanhado somente do turiferário (pois os acólitos não levam seus candelabros, em sinal de luto), incensa o livro e termina a narração evangélica.

O Ofertório, também extraído do Salmo LXVIII, continua a expressar os sofrimentos do Messias: “Meu coração esperou o opróbrio e a miséria; esperei alguém que se compadecesse de mim, mas não houve ninguém; busquei quem me consolasse, mas não encontrei. Deram-me fel por alimento e, em minha sede, deram-me vinagre para beber.” Como observa o Cardinal Schuster, “assim foi tratado aquele que se prepara para nos dar seu corpo como alimento e seu sangue como bebida.”

A Secreta pede a Deus o duplo fruto da Paixão de Cristo: “Concedei, Senhor, que o dom oferecido aos olhos de vossa majestade nos obtenha a graça de uma piedosa devoção e nos faça gozar da bem-aventurança eterna.”

Na Antífona da Comunhão, a Igreja recorda as palavras de Jesus no Jardim das Oliveiras (Mt. XXVI, 42): “Pai, se não é possível que este cálice passe sem que eu o beba, faça-se a tua vontade.” Como explica o Cardinal Schuster, “quando, durante o canto destas palavras, os fiéis se aproximavam para beber realmente no cálice sustentado pelo diácono o sangue de Cristo, eles compreendiam perfeitamente que o fato de comungar nos torna solidários da Paixão.”

A Oração depois da Comunhão conclui as súplicas do Sacrifício, “implorando a remissão dos pecados para todos os seus filhos e o cumprimento do desejo que eles têm de participar da ressurreição gloriosa do Homem-Deus.”

O sentido espiritual da liturgia

O Domingo de Ramos nos ensina várias lições espirituais importantes:

Primeiro, ele nos mostra a inconstância da glória humana. O mesmo povo que aclamou Cristo como Rei no domingo, pediu Sua crucifixão na sexta-feira. Isto nos adverte contra a tentação de buscar o aplauso do mundo, que é passageiro e enganador.

Segundo, ele nos ensina o verdadeiro significado da realeza de Cristo. Como observa Dom Parsch, “Cristo entra na cidade santa montado num jumento, para simbolizar o caráter doce e benigno de sua primeira aparição messiânica. Ele não quer amedrontar com relâmpagos e trovões, mas deseja ardentemente atrair todos os homens ao seu Coração pela doçura de seus atrativos.”

Terceiro, ele nos prepara para entrar no grande mistério da Semana Santa. Os ramos que levamos para casa e colocamos junto a um crucifixo ou a uma imagem sagrada são um lembrete contínuo de nosso compromisso de seguir Cristo até o Calvário. Como explica Dom Guéranger, “os fiéis devem portar respeitosamente estes ramos em suas mãos durante a procissão e durante a Missa, enquanto se canta a Paixão, e colocá-los com honra em suas casas, como um sinal de sua fé e uma esperança no socorro divino.”

Finalmente, este dia nos recorda que a Paixão e a Ressurreição formam um único mistério. A Igreja, em sua sabedoria, não nos permite separar a Cruz da vitória. Desde o início, mesmo em meio aos sofrimentos de Cristo, ela nos faz vislumbrar a luz da Ressurreição. Como observa Dom Parsch, “a liturgia destes dias não separa a lembrança da paixão do Salvador daquela dos triunfos de sua ressurreição.”

Este domingo, além de seu nome litúrgico e popular de Domingo de Ramos ou das Palmas, é chamado também de Domingo de Hosanna, por causa do grito de triunfo com que os judeus saudaram a chegada de Jesus. Outrora foi também chamado de Domingo de Páscoa Florida, porque a Páscoa, que está a apenas oito dias de distância, está hoje como que florescendo, e os fiéis podem cumprir desde já o dever da comunhão anual. Foi em lembrança desta denominação que os espanhóis, tendo descoberto, no Domingo de Ramos de 1513, a vasta região que avizinha o México, deram-lhe o nome de Flórida.

Encontramos este domingo chamado também de Capitilavium, isto é, lava-cabeça, porque, nos séculos da média antiguidade, quando se adiava para o Sábado Santo o batismo das crianças nascidas nos meses precedentes, os pais lavavam hoje a cabeça dessas crianças, a fim de que no sábado seguinte se pudesse fazer com decoro a unção do Santo Crisma. Em uma época mais recuada, este domingo, em certas Igrejas, era chamado de Páscoa dos Competentes. Chamavam-se Competentes os catecúmenos admitidos ao batismo. Eles se reuniam neste dia na igreja, e se lhes fazia uma explicação particular do Símbolo que haviam recebido no escrutínio precedente.

A perda de um tesouro litúrgico

Ao contemplarmos a riqueza da liturgia tradicional do Domingo de Ramos, não podemos deixar de notar, com profunda tristeza, como este tesouro espiritual foi sendo progressivamente empobrecido pelas reformas litúrgicas.

A primeira grande ruptura ocorreu com a reforma da Semana Santa decretada por Pio XII em 1955. Nesta reforma, a estrutura da cerimônia do Domingo de Ramos foi consideravelmente alterada. A primeira parte, que retomava a estrutura da Missa, com seu Introito, Coleta, Epístola, Gradual, Evangelho e Prefácio, foi drasticamente simplificada. As seis belíssimas orações de bênção foram reduzidas a uma única, muito mais breve. O rito das portas fechadas, com seu profundo simbolismo da entrada no céu, foi abolido.

Mas foi com a reforma litúrgica de 1969, após o Concílio Vaticano II, que o empobrecimento atingiu seu ápice, com simplificações ainda mais radicais e adoção ainda mais pungente de um caráter catequético em detrimento do culto. O que se perdeu nestas reformas não foi apenas um conjunto de ritos externos, mas todo uma forma de expressão pela lex orandi da lex credendi católica que, ao longo dos séculos, pela condução do Espírito Santo, formou a oração do Corpo Místico de Cristo.

O Rito Romano Tradicional foi um dos principais fatores de evangelização na história da Igreja. Ele conduz os ministro e fiéis, pela suavidade do culto e com a firmeza da doutrina, através dos mistérios da fé; e isso sem se dobrar a subjetividade sentimental mas mantendo sempre os olhos em Cristo, sua doutrina e o caminho para adorá-lo e a ele converter-se. Mesmo os iletrados, que não podiam ler as Escrituras, podiam “ler” a liturgia e, através dela, penetrar nos mistérios de Cristo. 

Quando este patrimônio é empobrecido, toda a vida espiritual da Igreja sofre. Os fiéis perdem o sentido do sagrado, a compreensão dos mistérios da fé torna-se superficial e dúbia, e a própria identidade católica se enfraquece.

Para a propagação e defesa da fé católica, é essencial que o Rito Romano Tradicional seja resgatado, difundido e restabelecido em seu lugar de direito como o devido Culto da Santa Romana Igreja. Não se trata de um mero retorno ao passado por motivos nostálgicos, mas do restabelecimento do culto católico e da verdade católica. Essa liturgia formada ao longo de séculos sob a ação do Espírito Santo, contém um tesouro de valores espirituais, doutrinais e pastorais que são absolutamente necessárias para a vida da Igreja.

Conclusão

O Domingo de Ramos, com sua admirável liturgia, é uma síntese perfeita de toda a Semana Santa. Nele vemos o contraste entre o triunfo e o sofrimento, entre a aclamação e a rejeição, entre a vida e a morte.

Como explica Dom Guéranger, tal é, em meio ao luto da Semana das dores, o glorioso mistério deste dia. Nossa Santa Madre Igreja quer que nossos corações se aliviem por um momento de alegria, e que Jesus hoje seja saudado por nós como nosso Rei. Logo, porém, retornaremos ao curso de nossos gemidos sobre as dores de nosso divino Esposo.

Ao entrarmos na Semana Maior, tenhamos conosco os ramos benditos, não apenas como objetos de devoção, mas como sinais visíveis de nosso compromisso de seguir Cristo, nosso Rei e Salvador, até a Cruz e, além dela, até a glória da Ressurreição. Como nos ensina Dom Parsch, “ser mártir significa render testemunho a Cristo em nossas obras e em nossa vida, pela palavra e pela profissão de fé, ainda que nos custe a perda de nossos bens, a perda de nossa vida…”

Que a liturgia deste dia santo nos ajude a compreender mais profundamente o mistério de nossa Redenção e a viver mais intensamente o amor e a fidelidade a Cristo, especialmente durante os dias solenes que se seguem. Como escreveu o célebre himnógrafo Cosme de Jerusalém: “Livra-te à alegria, ó Sião! O Cristo teu Deus reina para sempre. Ele é doce, e vem para salvar, como está escrito dele; ele é o justo, nosso redentor que avança montado sobre o filhote da jumenta.”

FONTES:
INTROIBO.FR. Commentaires liturgiques du Dimanche des Rameaux.
Dom Guéranger, l’Année Liturgique
Bhx Cardinal Schuster, Liber Sacramentorum
Dom Pius Parsch, le Guide dans l’année liturgique

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