Pe. Marcos Vinicius Mattke, IBP
Introdução
A Sexta-Feira Maior, dia em que a Santa Romana Igreja comemora solenemente a Paixão e Morte do Senhor, ocupa lugar central no Ano Litúrgico. É o dia em que se cumpre a obra da Redenção, quando o Filho de Deus, suspenso entre o céu e a terra, consumou o Sacrifício perfeito. É também o único dia do ano em que não se celebra o Santo Sacrifício da Missa, para que a nossa atenção esteja inteiramente voltada para o Sacrifício histórico do Calvário.
Neste dia solene, a Igreja veste-se de luto, usando paramentos pretos. Esta cor litúrgica expressa a dor e a tristeza de nossa Santa Madre Igreja pela morte de seu Divino Esposo. Diferentemente do roxo, que é a cor da penitência e da expectativa, o preto é a cor do luto absoluto, da morte consumada. É o símbolo visível do abismo de sofrimento em que o Salvador mergulhou para nos resgatar. Os paramentos pretos também nos lembram as trevas que cobriram a terra por três horas quando Jesus estava na Cruz, simbolizando a vitória momentânea das trevas sobre a Luz do mundo.
As cerimônias que compõem a liturgia deste dia, em sua forma tradicional, carregam a solene gravidade do mistério que comemoram. Concentram-se no essencial: a palavra que anuncia a Paixão, a súplica universal pela humanidade, a adoração da Cruz, instrumento da Redenção, e a Comunhão eucarística do celebrante com o Corpo imolado do Salvador.
Propomo-nos aqui a contemplar os tesouros espirituais da liturgia tradicional da Sexta-Feira Maior, em sua forma anterior à reforma de Pio XII de 1955. Esta liturgia, com suas formas de expressão milenares, nos permite reviver com profunda reverência os acontecimentos da primeira Sexta-feira Santa.
As quatro partes do Ofício da Sexta-feira Maior
O Ofício da Sexta-Feira in Parasceve, desde a mais remota antiguidade cristã, é dividido em quatro partes distintas:
- As Leituras
- As Orações Solenes
- A Adoração da Santa Cruz
- A Missa dos Pré-santificados
I. O ofício das Trevas
Antes de tratarmos do Ofício solene, mencionemos brevemente o Ofício das Trevas, celebrado na madrugada da Sexta-Feira. Trata-se das Matinas e Laudes do dia, antecipadas para a vigília. Seu nome – “Trevas” – deriva de seu caráter austero e das velas que são progressivamente apagadas.
As Matinas da Sexta-Feira Santa são divididas em três noturnos, cada um composto de três salmos e três lições. Estes salmos foram escolhidos com esmero, pois contêm passagens claramente proféticas da Paixão de Nosso Senhor.
No primeiro noturno, o Salmo XXI nos traz praticamente toda a cena do Calvário: “Eles transpassaram minhas mãos e meus pés, contaram todos os meus ossos… dividiram entre si as minhas vestes, sobre a minha túnica lançaram sortes”. O salmista, inspirado pelo Espírito Santo, colocou estas palavras nos lábios do Messias séculos antes do acontecimento.
As lições deste noturno são extraídas das Lamentações de Jeremias, onde o profeta chora sobre Jerusalém destruída, figura da alma devastada pelo pecado e que só encontrará consolo na Cruz redentora.
O terceiro noturno traz uma passagem da Epístola de São Paulo aos Hebreus, que nos mostra o Cristo como sumo sacerdote e vítima perfeita que, pela efusão do seu sangue, entrou de uma vez por todas no Santo dos Santos celestial.
Em cada um dos noturnos, entre as lições, são cantados responsórios de singular beleza e profundidade teológica. Um deles, o “Tenebrae factae sunt”, descreve as trevas que cobriram a terra quando Jesus foi crucificado: “Trevas cobriram toda a terra, quando os judeus crucificaram Jesus; e por volta da hora nona, Jesus exclamou em alta voz: Meu Deus, por que me abandonaste? E inclinando a cabeça, entregou o espírito. Jesus, clamando em alta voz, disse: Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito. E inclinando a cabeça, entregou o espírito.”
Terminadas as Matinas, seguem-se as Laudes, que se encerram com o cântico Benedictus. A antífona deste cântico nos lembra a inscrição colocada sobre a Cruz: “Colocaram acima de sua cabeça a inscrição com o motivo de sua condenação: Jesus Nazareno, Rei dos Judeus.”
Após a repetição desta antífona, entoa-se o versículo “Christus factus est pro nobis obediens usque ad mortem, mortem autem crucis” – “Cristo fez-se obediente por nós até a morte, e morte de cruz.” Esta frase, extraída da Epístola de São Paulo aos Filipenses, resume admiravelmente toda a obra redentora que celebramos neste dia.
II. As leituras
O Ofício solene começa sem qualquer rito preliminar. O celebrante ladeado pelos ministros, revestidos de paramentos pretos, dirigem-se ao altar em silêncio e prostram-se, estendidos no chão diante do altar nu. Este gesto impressionante simboliza o abatimento da humanidade sob o peso do pecado e sua necessidade absoluta de redenção.
Após alguns momentos de prostração e oração silenciosa, inicia-se a primeira parte da cerimônia: as leituras. Duas passagens do Antigo Testamento são lidas, cada uma seguida de um salmo e uma oração.
A primeira leitura é tirada do profeta Oséias (VI, 1-6), onde Deus anuncia: “Depois de dois dias nos dará a vida, no terceiro dia nos ressuscitará.” É uma profecia da Ressurreição que nos lembra que a Paixão não é o fim, mas o caminho necessário para a glória. O profeta também nos recorda que Deus prefere a misericórdia aos sacrifícios, mostrando que o verdadeiro culto está no coração contrito e humilhado. Segue-se o Tracto extraído do Livro de Habacuc, onde o profeta, aterrorizado, contempla o mistério da Paixão.
A segunda profecia vem do Livro do Êxodo (XII, 1-11) e descreve a instituição do cordeiro pascal. O simbolismo é claríssimo: o Cristo imolado na Cruz é o verdadeiro Cordeiro pascal cujo sangue nos preserva da morte eterna. Esta leitura nos recorda que o Senhor morreu durante a celebração da Páscoa judaica, precisamente no momento em que os cordeiros pascais eram imolados no Templo, cumprindo assim perfeitamente o tipo que o prefigurava. O cordeiro devia ser comido às pressas, com os rins cingidos e o bastão na mão, simbolizando a brevidade da vida terrena e a urgência de buscar a pátria celeste.
Vem então o momento culminante das leituras: a narração da Paixão segundo São João. O quarto evangelista, testemunha ocular da Crucificação, oferece uma narrativa detalhada e teologicamente profunda do sacrifício do Calvário. O texto é cantado solenemente por três diáconos que assumem os papéis de Cronista, Cristo e Sinagoga.
São João, diferentemente dos outros evangelistas, põe em relevo a realeza do Cristo mesmo em sua Paixão. É assim que nos mostra Pilatos apresentando Jesus ao povo com as palavras: “Eis o vosso rei”; e a inscrição da cruz, que Pilatos se recusa a modificar: “Jesus Nazareno, Rei dos Judeus”. O evangelista também é o único a mencionar o golpe de lança que abriu o lado de Cristo, de onde saíram sangue e água, símbolos dos sacramentos que dão vida à Igreja. Nestes detalhes, que só encontramos em São João, vemos claramente que a Paixão não é uma derrota, mas uma vitória, a entronização gloriosa do Rei dos reis.
III. As orações solenes
Após a Paixão, o sacerdote entoa as solenes Orações, também chamadas de intercessões. São orações universais, que abrangem toda a Igreja e toda a humanidade: pela própria Igreja, pelo Papa, pelos diversos estados de vida entre os fiéis, para o Imperador Romano (oração hoje omitida), pelos catecúmenos, por todas as necessidades dos fiéis, contra as heresias e cismas, pela conversão dos judeus e dos pagãos.
Estas orações têm uma forma particularmente solene. O celebrante anuncia primeiro a intenção da oração, convidando assim os fiéis a unir seus corações nesta intenção. Em seguida, o diácono diz “Flectamus genua” (dobremos os joelhos) e todos se ajoelham. Após um breve momento o subdiácono responde “Levate” (levantai-vos), e todos se levantam. O celebrante então recita a oração propriamente dita.
É de notar que esta genufexão é omitida apenas antes da oração pelos judeus. A razão deste uso é para marcar a reprovação da Igreja pelas genuflexões irrisórias que os judeus fizeram diante de Jesus durante sua Paixão, quando o saudavam zombeteiramente como “Rei dos Judeus”. Trata-se de piedade da Igreja de não repetir o abuso que o povo deicida cometeu contra o Salvador afim de que se reze por eles com maior piedade. Justamente, o celebrante prossegue rogando para que Deus “tire o véu de seus corações”, como diz São Paulo, e reconheçam em Jesus o Messias anunciado pelos profetas.
Estas orações manifestam a solicitude da Igreja por todos os homens, por quem Cristo morreu. A ordem das orações é também significativa: parte-se da Igreja, corpo místico de Cristo, para chegar progressivamente a todos aqueles que estão mais afastados dela, mostrando que a Redenção é oferecida a todos, mas passa sempre pela mediação da Igreja, fora da qual não há salvação.
IV. A adoração da Santa Cruz
A segunda parte da cerimônia é dedicada à apresentação e adoração da Cruz, sinal da nossa Redenção. Este rito, originado em Jerusalém no século IV, quando Santa Helena descobriu a verdadeira Cruz, tem profundo significado teológico.
O rito se desenvolve de maneira impressionante. O celebrante, assistido pelo diácono e pelo subdiácono, dirige-se à credência no lado da Epístola, onde a Cruz está coberta por um véu negro. Tomando-a nas mãos, retorna para o lado da Epístola do altar e, voltando-se para o povo, descobre a parte superior da Cruz, de modo que apenas o cimo seja visível. Elevando-a ligeiramente, canta em tom moderado: “Ecce lignum Crucis, in quo salus mundi pependit” – “Eis o madeiro da Cruz, no qual esteve pendente a salvação do mundo”. O coro responde: “Venite, adoremus” – “Vinde, adoremos”, e todos se ajoelham por um momento.
O celebrante avança então para o meio do altar, descobre o braço direito da Cruz, deixando visível o braço horizontal, e repete o mesmo canto, uma nota mais alta. Finalmente, chega ao centro dos degraus do altar, voltado para o povo, descobre completamente a Cruz e canta pela terceira vez a mesma frase, agora em tom ainda mais elevado.
Este ritual gradual de revelação da Cruz simboliza a manifestação progressiva do mistério da Redenção ao longo da história da salvação: primeiramente anunciada obscuramente após a queda de Adão, depois mais claramente revelada pelos profetas, e finalmente plenamente manifestada na vinda de Cristo.
O desvelamento em três etapas também nos recorda que a Cruz é o trono da Santíssima Trindade, onde o Pai oferece seu Filho único pela salvação do mundo, onde o Filho se oferece voluntariamente, e onde o Espírito Santo, que é o Amor, consuma este sacrifício de amor.
Segue-se a adoração propriamente dita. O celebrante coloca a Cruz sobre um tecido e uma almofada nos degraus do altar. Depois, tirando seus calçados, aproxima-se dela, faz três genuflexões ao longo do caminho e beija a Cruz com profunda reverência. É notável que neste dia o sacerdote se descalça, lembrando as palavras de Deus a Moisés diante da sarça ardente: “Tira as sandálias de teus pés, porque o lugar em que estás é terra santa.” Após o celebrante, o diácono e o subdiácono, e em seguida todo o clero e os fiéis, procedem da mesma maneira, aproximando-se em procissão para venerar a Cruz do Salvador.
Durante a adoração, o coro canta os Impropérios – lamentações em que Cristo recorda os benefícios concedidos ao seu povo e como este lhe retribuiu com a Paixão. “Povo meu, que te fiz? Ou em que te contristei? Responde-me. Eu te tirei da terra do Egito, derrubei o Faraó no Mar Vermelho, e tu me entregaste aos príncipes dos sacerdotes. Povo meu, que te fiz? Ou em que te contristei? Responde-me.”
Estes impropérios, extraídos em parte das Escrituras e em parte da tradição litúrgica mais antiga, são de uma beleza comovente. O contraste entre os benefícios divinos e a ingratidão humana não deve apenas evocar o comportamento do povo judeu, mas também nos fazer refletir sobre nossa própria ingratidão para com Deus, que tantas vezes retribuímos com ofensas.
O canto alterna com o Trisagion, um antiquíssimo hino de adoração: “Deus Santo, Deus forte, Deus imortal, tende piedade de nós”, cantado alternadamente em grego e em latim, lembrando a universalidade da Igreja e a união entre Oriente e Ocidente no culto à Cruz.
Segue-se o hino “Pange lingua gloriosi lauream certaminis”, composto por Venâncio Fortunato no século VI, que celebra o triunfo da Cruz. Este magnífico poema exalta a árvore da Cruz como o mais nobre de todos os bosques, bem-aventurada por ter carregado o resgate do mundo, e convida-nos a contemplar seus braços como uma balança que sustenta o corpo do Salvador, o preço do mundo.
Este momento de adoração é um dos mais solenes e comoventes do ano litúrgico. Estamos diante daquele madeiro que, de instrumento de ignomínia e morte, tornou-se o trono da glória divina e a fonte da vida eterna. Por isso, aproximamo-nos com reverência e amor, reconhecendo que, como diz São Paulo, “nós não pregamos senão Jesus Cristo, e Jesus Cristo crucificado” (1 Cor II, 2).
V. A Missa dos Pré-santificados
A terceira parte da cerimônia é chamada de Missa dos Pré-santificados, porque não há consagração; comunga-se com uma hóstia consagrada na Missa da véspera.
Após a adoração da Cruz, ela é colocada sobre o altar. Em seguida, o diácono estende sobre o altar o corporal, como preparação para a recepção da Santíssima Eucaristia. O celebrante e os ministros dirigem-se em procissão ao lugar onde o Santíssimo Sacramento foi depositado na véspera (chamado de “sepulcro” ou “monumento”).
O diácono abre reverentemente a urna que contém o cálice com a Hóstia consagrada, que é então incensado pelo celebrante com profunda veneração. Este, revestido com o véu umeral, símbolo de sua indignidade para tocar diretamente tão grande mistério, toma o cálice com a Sagrada Hóstia e forma-se então uma solene e triunfal procissão eucarística de regresso ao altar principal. Esta procissão, que mantém o luto por Cristo morto, reveste-se de triunfo, pois leva o Corpo do Rei vitorioso que, mesmo na morte, já manifesta seu poder salvífico. O hino “Vexilla Regis” realça este aspecto glorioso com suas estrofes majestosas: “Avançam as bandeiras do Rei, resplandece o mistério da Cruz, na qual a Vida sofreu a morte, e pela morte nos deu a vida.” A Cruz, antes instrumento de suplício, agora é cetro real, estandarte de vitória. Assim, mesmo no dia da morte do Senhor, a liturgia já anuncia o triunfo do Rei da Glória que, tendo vencido a morte, restabelece seu trono para reinar eternamente.
De volta ao altar, o celebrante coloca a Hóstia sobre o corporal. O diácone coloca vinho no cálice, e o subdiácono acrescenta um pouco de água, mas sem as bênçãos habituais. O incenso é usado para incensar tanto a Hóstia quanto o altar.
Após o lavabo, o celebrante inclina-se no meio do altar e recita a oração “In spiritu humilitatis” – “Em espírito de humildade”. Voltando-se para o povo, diz: “Orate fratres” – “Orai, irmãos” – mas não se diz a resposta habitual.
Em seguida, omitindo todas as preces do cânon, o celebrante canta o Pater Noster, seguido somente pela oração “Libera nos” – “Livrai-nos”. Eleva a Hóstia sagrada para que o povo a adore, divide-a como de costume, mas não diz o “Pax Domini” – “A paz do Senhor”. Deixa cair uma partícula no cálice, mas sem dizer a oração habitual.
Recita apenas a terceira oração preparatória para a Comunhão, o “Perceptio Corporis tui” – “A recepção do teu Corpo” – e comunga com a Hóstia consagrada. Toma depois o vinho, no qual colocou uma partícula da Hóstia, mas este vinho não está consagrado. Faz as abluções habituais e, sem nenhuma oração posterior, retira-se em silêncio com seus ministros.
É digno de nota que nesta cerimônia, apenas o sacerdote celebrante comunga, enquanto os demais ministros e os fiéis se abstêm. Esta prática tradicional tem profundo significado simbólico. Em primeiro lugar, marca a diferença entre o sacerdote, que age in persona Christi, e portanto une-se sacramentalmente a ele pela comunhão, e os demais fiéis. Em segundo lugar, por ser um dia de luto, a Igreja convida os fiéis a um jejum mais rigoroso, que inclui a abstinência da comunhão sacramental, para que possam sentir mais vivamente a privação de Cristo. Assim como os discípulos ficaram privados da presença visível do Mestre após sua morte, assim também os fiéis experimentam uma espécie de “jejum eucarístico”. Além disso, a comunhão única do celebrante simboliza a solidão de Cristo na Cruz, abandonado por quase todos os seus discípulos exceto sua Mãe e São João. Esta prática, contudo, não impede que os fiéis façam sua comunhão espiritual, unindo-se interiormente ao sacrifício redentor e desejando ardentemente receber o Sacramento.
Tesouro espiritual da Liturgia da Sexta-Feira Maior
A liturgia tradicional da Sexta-Feira Santa, monumento da oração da Igreja sob a condução do Espírito Santo, constitui um verdadeiro tesouro espiritual. Podemos, nesse sentido, considerar alguns de seus aspectos mais notáveis:
1. A progressão da solenidade
Há uma notável progressão ao longo das cerimônias deste dia. A liturgia segue de perto os acontecimentos históricos da Paixão: inicia-se com a leitura da Paixão, que nos relembra o julgamento de Jesus; prossegue com a adoração da Cruz, que corresponde à crucificação; e culmina na Missa dos Pré-santificados, que representa a morte e sepultamento do Salvador.
2. A Cruz no centro
A Cruz é o centro de toda a liturgia deste dia. De objeto de horror, ela se torna para nós objeto de adoração. É significativo que este seja o único dia do ano em que nos prostramos verdadeiramente diante da Cruz e a beijamos. Este gesto expressa nossa fé na Redenção cumprida pelo sacrifício do Calvário. A liturgia nos impele a contemplar este madeiro não apenas como instrumento de suplício, mas como “escada do paraíso”, “trono de glória”, “árvore da vida”, segundo as belas expressões dos Padres da Igreja.
3. O silêncio eloquente
O silêncio é uma característica marcante da liturgia deste dia. Não há toques de campainha, nem órgão; os altares estão desnudos, o tabernáculo aberto e vazio. Este silêncio não é ausência, mas presença intensa do mistério. É o silêncio da adoração diante do inefável, do amor que contempla seu objeto sem precisar de palavras.
4. A universalidade da Redenção
As grandes orações de intercessão, uma das partes mais antigas desta liturgia, lembram-nos o alcance universal da Redenção. Cristo morreu por todos, e a Igreja intercede por todos: pelos fiéis e pelos infiéis, pelos convertidos e pelos que ainda não receberam a luz da fé. Neste dia, mais do que nunca, a Igreja exprime de forma patente sua catolicidade, estendendo seus braços para abraçar toda a humanidade e guiar a todos para o porto seguro da salvação.
5. A vida através da morte
Um dos paradoxos mais sublimes do cristianismo é celebrado hoje: a vida vem através da morte. A liturgia expressa este mistério desde a antífona das Laudes: “Ele foi posto na cruz, e o mundo tremeu; o bom ladrão exclamou: Lembrai-vos de mim, Senhor, quando entrardes em vosso reino”. Também através do contraste entre o luto exterior (paramentos negros, altar desnudo) e a esperança triunfante baseada na promessa da Ressurreição, que já se manifesta na solene procissão eucarística.
6. A Eucaristia, fruto da Cruz
A parte final da liturgia, a Missa dos Pré-santificados, recorda-nos o vínculo indissolúvel entre a Cruz e a Eucaristia. O sacrifício da Missa perpetua sacramentalmente o sacrifício do Calvário. Hoje, não celebramos a Missa porque estamos comemorando o próprio acontecimento cruento e histórico do qual a Missa é a renovação incruenta e sacramental. No entanto, a Igreja não renuncia ao culto e à comunhão eucarística, para significar que todos os frutos de graça que recebemos derivam deste sacrifício único que celebramos solenemente hoje.
Conclusão
A liturgia tradicional da Sexta-Feira Santa, em sua nobre simplicidade e em sua profundidade teológica, oferece-nos uma incomparável meditação sobre o mistério central de nossa fé: a Redenção pelo sacrifício da Cruz. Contemplando estas cerimônias veneráveis, não somos meros espectadores, mas testemunhas do amor infinito de Deus, que “não poupou seu próprio Filho, mas o entregou por todos nós” (Rm VIII, 32).
Através do simbolismo eloquente dos ritos, dos gestos, dos cantos, a Santa Igreja Romana nos educa na escola da Cruz. Ela nos convida a transferir para nossa vida cristã o que celebramos liturgicamente: a doação total, o amor sem limites, a obediência até a morte, a vitória pela humilhação.
Que a Sexta-Feira Maior não seja apenas uma comemoração histórica, mas uma união íntima ao mistério da Paixão, para que possamos um dia participar também da glória da Ressurreição. “Nós vos adoramos, Senhor Jesus Cristo, e vos bendizemos, porque pela vossa santa Cruz remistes o mundo.”
Ave crux, spes unica. Ave gaudium verum.
FONTES:
INTROIBO.FR. Commentaires liturgiques du Vendredi Saint
Dom Guéranger, l’Année Liturgique
Bhx Cardinal Schuster, Liber Sacramentorum
Dom Pius Parsch, le Guide dans l’année liturgique

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